DescargaGlauber Barreto Luna.
Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil.
Professor na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, Brasil.
glauber.luna@ufersa.edu.br

Recibido: 1/05/2017 – Aceptado: 25/06/2017

 

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar sociologicamente a poética de contestação social expressa na música “Manifest” lançada no ano de 1993 no álbum intitulado “Chaos A.D.” da banda de rock metal brasileira Sepultura. A referida composição versa sobre o assassinato de 111 detentos da Casa de Detenção de São Paulo pela polícia militar do estado de São Paulo ocorrido no ano de 1992. Esse acontecimento ficou conhecido como “O massacre do Carandirú” e evidencia as violentas ações muitas vezes perpetradas por agentes públicos de segurança e o tratamento degradante ao qual é submetido parte dos detentos das penitenciárias brasileiras. Para tanto, as composições são tomadas aqui enquanto elementos simbólicos portadores de ethos pertinentes à determinada sociedade (Geertz, 2014), e, por isso, podem ser “lidas” como documentos que auxiliam no entendimento da realidade social. Metodologicamente, o texto inspirou-se no trabalho de Deena Weinstein (2000) que propõe analisar o heavy metal a partir de três dimensões: Dimensão Sonora, Dimensão Verbal e Dimensão Visual. Nesse sentido, para além da referida música, outros elementos – imagens do encarte do álbum, matérias jornalísticas e entrevistas com músicos e ex-músicos da banda –, serviram de dados ao estudo aqui apresentado.

Palavras-Chaves: Contestação; Massacre do Carandirú; Música; Sepultura; Violência Policial.

 

Abstract: The aim of this article presented here is to analyze sociologically the poetics of contestation expressed in the music «Manifest» released in the year 1993 in the album titled «Chaos A.D.» by Brazilian rock metal band Sepultura. The said composition concerns the murder of 111 inmates of the Home of detention of São Paulo by the military police of the state of São Paulo occurred in the year 1992. This event became known as «The Massacre of the Carandirú» and shows the violent actions often perpetrated by public security agents and the degrading treatment to which it is subject part of the inmates in brazilian prisons. Therefore, the compositions are taken here as symbolic elements bearing relevant ethos to a particular society (Geertz, 2014), and, that is why, can be «read» as documents that help in understanding the social reality. Methodologically, the text was inspired by the work of Deena Weinstein (2000) which proposes to analyze heavy metal from three dimensions: Sound Dimension, Verbal Dimension and Visual Dimension. In this sense, beyond the aforementioned song, other elements – album artwork, journalistic interviews with musicians and former musicians of the band – served as data to the research presented here.

Keywords: Contestation. Carandirú’s Massacre. Music. Sepultura. Police violence.

 

Algumas explicações teórico-metodológicas

À guisa das discussões metodológicas é interessante sublinhar que umas das dificuldades que surge às análises sociológicas das expressões artísticas refere-se ao antigo, mas ainda presente, embate travado no cerne da sociologia da arte, entre as perspectivas “externalistas” e “internalistas” de pesquisa. Ora, em verdade, tal disputa epistemológica mostra-se como um meio de delimitação e demarcação dos limites da visão sociológica da arte enquanto disciplina acadêmica. Sendo assim, para que a perspectiva sociológica acerca das expressões artísticas se elevasse à categoria de disciplina autônoma no cerne das ciências sociais, fora preciso a constituição de metodologias e procedimentos metodológicos próprios. Todavia, para tal propósito, tornou-se necessário, em determinado momento após a institucionalização da visão sociológica sobre os elementos relacionados à arte, distanciar-se das análises que muito contribuíram para a sua constituição, a saber: a estética, a crítica e a historiografia da arte.

A assertiva exposta acima pode ser verificada em Nathalie Heinich (2008). Em seu livro A sociologia da arte, Heinich evidencia uma clara predileção pelas correntes mais pragmáticas de análises sociológicas da arte, ligadas, sobretudo, às concepções francesa, inglesa e norte-americana do assunto em detrimento da percepção alemã dos fenômenos artísticos considerada por demais idealista.

Ora, seguimos em direção à compreensão da sociologia enquanto disciplina interdisciplinar e mais, transdisciplinar. E no caso da perspectiva sociológica das artes, em especial, em uníssono com Vera Zolberg (2006), ao afirmar que “O envolvimento com outras disciplinas é fundamental ao próprio sentido da sociologia da arte” (p. 92). Esse fato não nega a exigência de metodologia e de ferramentas metodológicas circunscritas à determinada ciência, no entanto, cremos que por mais que seja necessária uma base metodológica, um modelo de análise que possa servir de guia às pesquisas sociais, estas não deveriam ser pensadas enquanto paradigmas. Sendo assim, é suficientemente plausível e até salutar abrirmos espaços para a imaginação, para as inventividades, para a confecção de soluções metodológicas de acordo com os problemas postos pela pesquisa e, neste caso em específico, aos objetivos da análise.

Assim sendo, nossa intenção aqui é realizar uma espécie de mediação entre essas visões analíticas tidas como disjuntivas na medida em que cremos que as duas perspectivas, externa e interna às obras artísticas, dispõem de considerações significativamente proveitosas ao objetivo posto neste trabalho. Portanto, concordamos, uma vez mais, com Vera Zolberg na medida em que essa se antepõe às concepções que vêem enquanto incongruentes as visões internalistas (referida pela autora como sendo caras aos autores humanistas) e externalista das expressões artística. Nesse sentido, a autora afirma: “Juntas, se adequadamente usadas, suas abordagens podem ser complementares” (2006, p. 42).

Deste modo, uma análise sociológica que aborde as técnicas composicionais que atestam um posicionamento crítico ou de resistência a um determinado ou a diversos fenômenos sociais caracteriza-se enquanto análise interna das obras artísticas, ou no caso aqui específico, da obra musical. Entretanto, torna-se imprescindível expor que o entendimento acerca das expressões artísticas aqui empregado destoa daquela adotada pela estética, a saber: de que as obras de arte são produtos da genialidade individual do artista. Ora, é inegável que a música, assim como o cinema e o teatro, por exemplo, é uma expressão artística iminentemente coletiva e, como aponta o sociólogo Dilmar Miranda, ao citar Theodor W. Adorno “O sujeito que compõe não é uma entidade individual, mas coletiva. Qualquer música, por mais individual que seu estilo possa ser, possui um caráter inalienável, um conteúdo coletivo: qualquer som sempre diz Nós” (como citado In: Miranda, 2001).

Interessante notar que ao tratar a música enquanto resultado da coletividade, tal assertiva pode ser correlacionada com a perspectiva que atesta que as produções artísticas e, entre estas a música, podem sem compreendidas enquanto produtos culturais que evidenciam visões de mundo (Geertz, 2014). Neste sentido, sendo verdade que a música é fruto de uma interação social e, portanto, é bem verdade também, que ela pode ser compreendida enquanto mímesis das emoções, das impressões e dos sentimentos dos indivíduos, ou seja, da interioridade humana (Lukács, 1982). Assim, como meio de consubstanciar os objetivos deste texto, ou seja, de analisar os elementos poéticos de contestação social na música “Manifest” da banda Sepultura, acreditamos ser necessário analisá-la não somente do ponto de vista formal, ou seja, baseando-se nos seus elementos composicionais, mas também, nos demais elementos simbólicos que consubstanciam a poética contestatória expressa pela referida banda. Para tanto, como meio de corroborar com tal empreendimento os estudos da socióloga Deena Weinstein acerca do heavy metal, expostos no livro intitulado Heavy Metal: the music and its culture (2000) mostrou-se de grande valia. No livro, Weinstein evidencia que o referido estilo musical pode ser analisado e compreendido a partir de três importantes dimensões simbólicas a ele correlacionadas, que são: a Dimensão Sonora, a Dimensão Verbal e, por fim, a Dimensão Visual.

Nesse sentido, cabe aqui expor o que se constitui, de acordo com Weinstein, as dimensões acima referidas. Por “Dimensão Sonora” entendem-se os elementos musicais que constituem o rock metal, ou antes, a genérica forma musical que caracteriza o estilo. Já a “Dimensão Verbal” refere-se aos elementos textuais que compõem a mensagem, ou no caso específico deste trabalho, que expressam conteúdos de contestação social. São exemplos de elementos concernentes a “Dimensão Verbal” as letras das músicas, sobretudo, no tocante às temáticas discutidas por meio delas e o significado do nome das bandas, músicas e álbuns. E por fim, a “Dimensão Visual” que engloba tudo aquilo que esteja diretamente relacionado com a imagem dos músicos e, consequentemente, da sua produção, ou antes, à imagética da contestação imprimida à banda Sepultura. Assim, os gestos, vestuário e símbolos feitos e usados pelos músicos; os logotipos das bandas, as imagens que estampam as capas dos discos; as fotografias oficiais dos integrantes da banda vinculadas nas diferentes formas de mídias ou expostas nos encartes dos álbuns; os videoclipes, tudo isso torna-se dados à disposição do investigador para viabilizar a pesquisa.

Por fim, como meio de fomentar uma análise mais pormenorizada dos elementos poéticos de contestação social expressos pela música “Manifest”, fizemos uso de entrevistas com membros e/ou ex-membros da banda Sepultura, matérias jornalísticas acerca da referida banda expostas em diferentes mídias e de uma bibliografia que nos possibilitasse a compreensão sociológica do “Massacre do Carandirú”.

Entretanto, caros leitores e leitoras, antes mesmo de adentrarmos a análise da composição, acreditamos que uma breve digressão ou excursão pelo tema do rock metal ajudaria na compreensão mais abrangente desse estilo musical enquanto produto cultural que traz em si a marca da contestação e da resistência sociais.

Uma breve história do Heavy Metal

Tendo em vista que o objetivo principal deste estudo é analisar as poéticas de contestação social expressas pela banda brasileira de rock metal Sepultura, a realização de uma digressão que evidenciasse as origens do subgênero musical aqui focado, o rock metal, mostra-se significativamente pertinente na medida em que tal retorno às origens pode auxiliar na compreensão do fenômeno artístico-musical aqui retratado. Além disso, tal mecanismo metodológico permitirá evidenciar que o elemento “contestação” é parte constituinte do rock metal justamente por já se fazer presente nas expressões musicais que formaram a base do rock.

Interessante notar que, ao falarmos sobre poética da contestação na música do Sepultura poderíamos substituir o termo “contestação” por “resistência” sem prejuízo semântico, haja vista que, tanto um como outro, denotam a ideia e/ou atitude de posicionar-se contra a algo como, por exemplo, a instituições sociais como a Igreja ou o Estado; ou a comportamentos morais tidos enquanto anacrônicos. Como veremos mais adiante, inúmeros são os exemplos que atestam as expressões musicais enquanto representações ou expressões simbólicas de contestação/resistência a governos ditatoriais tanto no Brasil quanto em outros países como Portugal e Uruguai((Acerca de estudos que analisaram a relação entre música e política sobretudo no contexto ditatorial no Brasil ver os trabalhos de Marcos Napolitano (2010); Manoela de Sousa (2015); Paulo Silva e Edwar Castelo Branco (2013); Sheyla Diniz (2012). Já em relação os textos que versaram sobre as músicas enquanto representação de contestação/resistência a governos antidemocráticos em Portugal e Uruguai ver os trabalhos de Pedro Cravinho (2012) e José Fabiano de Aguiar (2008) respectivamente.)).

É bastante comum não haver provas materiais que determine, com máxima fidelidade, a data exata da gênese de um fenômeno cultural – em geral –, ou de uma expressão artístico musical – em específico. Com o rock metal não é diferente. Sua constituição primeva encontra-se em volta a inúmeras opiniões que corroborariam com o seu “mito fundador”. Sendo, portanto, opiniões, estariam estas sujeitas a significativas doses de subjetividade daqueles que “contam um conto e aumentam um ponto”((Ditado popular que expressa que um fato ao ser narrado por inúmeros indivíduos acaba sendo modificado pelas interpretações pessoais que cada um destes tem do fato originário, resultando assim numa narrativa em movimento, ou seja, uma narrativa que está sendo constantemente ressignificada.)) e, desta forma, propícias a indeterminações factuais.

Por se tratar de uma expressão artística e não de um documento oficial, não há uma inequívoca determinação “tempo-espacial” da emergência do referido estilo musical. Porém, antes de tudo, existem especulações a respeito, e estas apontam para o eixo Estados Unidos-Inglaterra de finais da década de 1960, e para algumas bandas precursoras daquela estética sonora.

Um exemplo bastante ilustrativo acerca do que foi referido acima, ou seja, da falta de consenso a respeito das origens do metal, encontra-se no documentário “Metal: a headbanger’s journey” realizado pelo antropólogo canadense Sam Dunn em 2005.

Objetivando pôr fim a um dos “mistérios” que envolve a gênese do heavy metal, o antropólogo/documentarista entrevista diversos músicos de expressivo prestígio entre os apreciadores do supracitado estilo musical e questiona-os: “Qual a primeira banda de heavy metal?” Segundo Geddy Lee, vocalista da banda Rush, a primeira banda de metal foi a estadunidense Bluer Cher; para John Kay, vocalista da banda Steppenwolf, a locução adjetiva “heavy metal” aparece na letra da canção “Born to Be Wild” composta por Dennis Edmonton Mars Bonfire em 1968 e que trazia alusão ao estrondoso som das motocicletas e, por isso, teria corroborado com a definição do estilo musical; a inglesa Led Zeppelin é apontada pelo produtor musical Bob Ezrin como sendo a fundadora do metal; já na concepção de Lemmy, vocalista do Motörhead, o grupo musical que deu origem ao heavy metal foram os britânicos do Deep Purple por conta da postura no palco e pelo fato de terem sido os primeiros a incorporarem a pirotecnia aos seus shows. No entanto, segundo afirma o cantor norte-americano Alice Cooper, a primeira vez que o termo “heavy metal” foi mencionado foi justamente para se referir à banda Alice Cooper – da qual era vocalista na época – numa entrevista realizada pela revista Rolling Stone provavelmente entre os anos de 1971 e 1973. Entretanto, nenhuma banda foi tão mencionada quanto o Black Sabbath((Dentre as dez pessoas que opinaram acerca da banda que deu origem ao metal, cinco afirmaram ser o Black Sabbath a criadora do estilo. Entre aqueles que defendem esta perspectiva estava o próprio documentarista Sam Dunn.)).

Dessa miríade de assertivas expostas anteriormente poder-se-ia aferir algumas análises sociológicas. Primeiramente, como meio de legitimar o seu documentário fílmico, Sam Dunn direcionou a questão aos agentes envolvidos diretamente naquilo que Howard Becker (2010) denomina de “Mundos da Arte”, conceito que designa assim, “a rede de indivíduos cuja actividade cooperativa, coordenada graças a um conhecimento partilhado dos meios convencionais de trabalho, produz o tipo de obras que estabelecem precisamente a notoriedade no mundo da arte” (p. 22), ou segundo a concepção teórica de Pierre Bourdieu (2009), poder-se-ia afirmar que o antropólogo/documentarista interpelou os agentes que possuem capital simbólico no cerne do campo artístico heavy metal, de tal modo que estes mesmos agentes são, portanto, legitimados – pelos outros integrantes do campo –, a conferir opiniões legitimadoras.

Outro ponto que pode ser levantado a partir das opiniões dos músicos acima evidenciadas refere-se à disputa simbólica que subjaz aos discursos proferidos. Tendo em vista que parte das bandas mencionadas são de origem inglesa e parte são originárias dos Estados Unidos, tem-se aí uma contenda entre países no que se refere à “nacionalidade” do rock metal. Tal disputa gravita em torno do prestígio social atinente ao reconhecimento de ser este, ou aquele, o país que tenha propiciado a emergência de um estilo musical de significativa abrangência e com bandas representativas do estilo em diversos países((Como meio de ilustração para a afirmação de que o heavy metal se faz presente em inúmeros países, ver o documentário “Global Metal” também realizado pelo antropólogo Sam Dunn. A tese principal que norteia a película fílmica é que o heavy metal é, também, um produto da globalização e que, por isso, encontra-se em meio às produções musicais de países culturalmente tão distintos como Brasil e Israel.)). Disputa simbólica parecida, considerando-se evidentemente as devidas proporções, ao que ocorre em relação ao samba no que se refere à sua “naturalidade”, se baiana ou carioca.

Ainda abordando o assunto acima discutido, uma terceira e última questão ainda pode ser levantada. Trata-se da real intenção de demarcação, de delimitação do “espaço” pertinente ao heavy metal subjacente à determinação da primeira banda do supracitado estilo. Pois que ao se apontar um marco fundador do metal, ou antes, a banda que formulou o referido estilo musical, tem-se implicitamente a ideia de diferenciação entre esta banda e todas as outras que apresentavam performances distintas daquilo que, posteriormente, se convencionou chamar de heavy metal. Desta forma, assim como são assinalados os fundadores da sociologia enquanto ciência no sentido de expor o exato momento no qual essa nova perspectiva científica se autonomizou das demais disciplinas humanísticas e delimitou o seu campo de ação e seus objetos de pesquisa, o ato de determinar a banda fundadora do rock metal tem por efeito expor as características sonoras e performáticas constituintes do referido estilo e, por conseguinte, as convenções estéticas que emergiram naquele contexto e, consequentemente, devem ser adotadas por toda banda que almeja ser classificada sob o rótulo estilístico de metal. Assim, todo mito de origem tem uma dimensão essencialista, ou seja, definir quais as características modeladoras daquele fenômeno.

Mas afinal, quais são as convenções estéticas que formatam o rock metal? Ou, antes, qual o contexto social e histórico de surgimento desta forma musical? Para dar conta destes questionamentos, será necessário expor, ainda que brevemente, o panorama sócio-histórico dos Estados Unidos e da Inglaterra de finais da década de 1960 e as influências musicais que contribuíram para a emergência do rock metal durante tal período.

Se como afirmava Lukács (1982), a música é a expressão mimética da interioridade humana, ou seja, dos afetos, sentimentos e emoções do sujeito em meio à realidade empírica, então quais os sentimentos que mais emergiram em meio à década de 1960 nos EUA e na Inglaterra e que serviram enquanto materiais à composição das músicas de rock metal?

É interessante notar que o surgimento da música metal se dá em meio ao contexto sócio-histórico no qual os agentes sociais experienciavam as angústias advindas do período marcado por instabilidade financeira. A Inglaterra sofria, durante os anos de 1970, com o processo de estagflação econômica, ou seja, altas taxas de juros e baixos níveis de crescimento econômico, acarretando no aumento do desemprego e no aprofundamento da desigualdade social. Já os Estados Unidos vivenciavam os horrores da Guerra do Vietnã e a desilusão da utopia da constituição de um mundo baseado na paz e no amor, idealizado pelo movimento do Flower Power((O Flower Power, termo que significa “força das flores” em uma tradução para o português, foi o lema utilizado pelo movimento hippie durante a década de 1960 e que simbolizava a ideologia da não-violência e a rejeição à Guerra do Vietnã.)).

Ainda se tratando do contexto sócio-histórico que propiciou a gênese do rock pesado, o comunicólogo Jeder Janotti Jr. (2004) afirma:

O período de surgimento do heavy metal foi marcado pelas frustrações juvenis no início da década de 1970. Se a busca romântica por transformações do mundo marcou parte do rock nos anos 60, o início dos anos 70, ao contrário, foi alimentado pelas frustrações, tal como atesta o seguinte depoimento: “O sonho acabou! Com isso quero dizer que toda a euforia do poder jovem – o mito da nova geração, enfim se foi” (John Lennon apud Muggiati 1973, p. 75). Não por acaso, a trajetória do heavy metal é carregada de traços “sombrios”: a obscuridade, o desencanto e a opressão. (Janotti Jr 2004, p. 21)

Outro importante elemento que merece destaque na sociogênese do rock metal trata-se da origem econômica de músicos pertencentes às bandas precursoras do supracitado estilo musical. O antropólogo Pedro Lopes (2006) destaca que alguns músicos de bandas precursoras do mundo artístico metal eram de origem operária – os chamados blue collar –, e/ou as cidades onde estes viviam eram polos industriais, por vezes, em decadência.

O surgimento do heavy metal no Brasil encontra um cenário sócio-econômico um tanto quanto diferente da Inglaterra e dos Estados Unidos de finais da década de 1960 e início da década seguinte, mas não menos angustiante para os jovens daqui. O Brasil vivenciava durante os anos de 1980 o contexto de redemocratização da política e alguns resquícios do período ditatorial ainda eram vivenciados no cotidiano.

Interessante notar que o metal desponta no Brasil em meio a conturbações socioeconômicas. Apesar do abrandamento da opressão perpetrada pelos militares após a assinatura da Lei da Anistia em 1979, não eram raras as violentas ações policiais contra aqueles que eram considerados “suspeitos”. Somando-se o preconceito contra os adeptos do estilo de vida metal ao despreparo da polícia em lidar com aquele grupo social que despontava, os resultados advindos de tal fusão evidenciava o claro desrespeito dos agentes públicos de segurança em relação aos fãs de heavy metal. Nas palavras do músico Paulo Jr., baixista da banda Sepultura, expostas no documentário “Ruído das Minas”: “Cabeludo era sinônimo de vagabundo, maconheiro. Depois que a gente chegou a um certo patamar, isso aí mudou, que a gente começou a ser respeitado. Mas naquela época [década de 1980], quando a gente era moleque a gente tomava dura direto da polícia” (2009).

Outro fato que correlaciona as origens do rock metal lá, “do outro lado do oceano”, e no Brasil refere-se ao contexto de estagflação pelo qual passou a economia brasileira no início dos anos de 1980. Após altos índices de crescimento econômico experimentados pelo Brasil na década de 1970, pautado, sobretudo, pelo “contexto internacional favorável, marcado pela expansão acelerada do comércio internacional e pela disponibilidade de capitais para investimento e financiamento” (Reis Filho, 2014, p. 79) – fatores que contribuíram para o assim chamado “milagre econômico”((Acerca do “milagre econômico”, o historiador Daniel Aarão Reis apresenta, em seu recente livro sobre a Ditadura, números impressionantes da economia brasileira durante os anos de 1970. De acordo com o autor, o Produto Nacional Bruto (PNB) apresentou um crescimento de “9,5%, em 1970; 11,3%, em 1971; 10,4%, em 1972; 11,4%, em 1973”; a indústria cresceu “14% anuais, com destaque para as locomotivas do processo: a indústria automobilística, a de eletroeletrônicos, a construção civil, com taxas superiores a 20% ao ano” (Reis Filho, 2014, p. 79).)) –, a economia do país nos três primeiros anos da década de 1980 foi assolapada por altíssimas taxas de inflação (absurdos 110,2% em 1980 e 211% em 1983)((No tocante às altíssimas taxas inflacionárias no Brasil de inícios dos anos 1980, Skidmore (1988) expõe:
“Coincidindo com a recessão, a inflação acelerou-se (gerando a ‘estagflação’) batendo novo recorde de 211 por cento em 1983, mais do dobro da de 1982. A estas taxas, a inflação devastava a economia apesar da indexação. Os salários, por exemplo, estavam agora perdendo seu valor real cinco vezes mais rapidamente do que em 1978, o ano que precedeu imediatamente a decisão do governo Figueiredo de reajustar os salários duas vezes por ano em vez de uma só vez. (Por esse raciocínio, com uma inflação anual de 200 por cento, os reajustes salariais deveriam ter sido pelo menos trimestrais)” (p. 462).)), desaceleração do consumo e, por consequência, regressão do crescimento.

Quais as causas que teriam refreado altas tão positivas da economia brasileira? Segundo o historiador Thomas Skidmore (1988), uma série de fatores, sobretudo, fatores externos, interromperam drasticamente o contexto economicamente favorável do Brasil. Entre tais fatores estavam: “os choques do petróleo de 1974 e 1979. Depois foi a subida vertiginosa dos juros do mercado do eurodólar de 8,7 por cento em 1978 para 17 por cento em 1981, salto provocado pela mudança radical na política monetária dos Estados Unidos em 1979” (Skidmore, 1988, p. 458). Sendo estas as causas, quais as consequências do decréscimo econômico brasileiro de finais de 1970 e início de 1980? Devido às dificuldades no equilíbrio da balança de pagamentos, haja vista que o número de importações foi superior ao de exportações, e a iminência da inadimplência da dívida externa, que naquele momento, final de 1981, atingira o montante de 61,4 bilhões de dólares, o país precisou submeter-se a empréstimos junto a diversos órgãos, sobretudo, junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional) que exigiu do Brasil a adequação de suas diretrizes políticas à “cartilha” por ele (o FMI) redigida. Entre os “mandamentos” daquela instituição estavam: “reduzir a taxa de expansão da base monetária, apertar o crédito, diminuir o déficit do setor público, fazer desvalorizações mais frequentes, eliminar subsídios e restringir aumentos salariais” (Skidmore, 1988, p. 460).

Desta forma, como aponta Idelber Avelar (2003), assim como ocorreu naqueles países, no Brasil, inicialmente, os adeptos do “mundo metálico” eram oriundos da classe blue collar. Entretanto, destaca Avelar, aqui, diferentemente da Inglaterra e dos EUA de finais da década de 1960 e início de 1970, além das recessões econômicas, os headbangers((Headbanger é como são chamados os apreciadores do rock metal. O termo deriva do gesto ou movimento de sacudir freneticamente a cabeça, comumente realizado pelos adeptos de mundo artístico quando da audição de composições do estilo musical supracitado.)) brasileiros do início da década de 1980 conviviam, direta ou indiretamente, sob a ótica opressiva de um Estado ainda violento.

Foi justamente no cenário relatado acima que surge na capital mineira, Belo Horizonte, a banda Sepultura ainda na primeira metade da década de 1980.

Por acreditar que para fins deste trabalho a exposição mais detalhada das origens da referida banda torna-se prescindível e pelo fato de já termos realizado tal tarefa em outro trabalho((Referimo-nos à dissertação “Refuse/Resist”: as poéticas de contestação social da banda Sepultura. (LUNA, G. 2014).)), optamos por apenas mencionar que a banda Sepultura tornou-se, ao longo de mais de trinta anos de carreira, o principal expoente nacional do rock metal, tendo conquistado sucesso de público e de críticos dentro e fora do país. Outro dado que vale a ressalva refere-se ao fato de que, entre as diversas músicas compostas por membros e ex-membros da banda, muitas delas denotam um claro conteúdo de resistência a diferentes instituições sociais como a Igreja, a Política, entre outras, além das imagens expostas nas capas dos álbuns e videoclipes que corroboram com o objetivo deste texto que é evidenciar a poética contestatória da banda em questão, exposta, sobretudo na música “Manifest”, mas também, nas outras dimensões (para fazer jus à perspectiva de Deena Weinstein), correlacionadas à referida composição.

MANIFEST: um relato sobre o Massacre do Carandirú

A música “Manifest” está presente no quinto álbum da banda Sepultura intitulado “Chaos A. D.”, lançado em 1993. A música expõe de forma dura e direta os assassinatos de 111 presos da Casa de Detenção de São Paulo em 1992. Esse horrendo acontecimento ficou conhecido como o “Massacre do Carandiru”. A letra da referida música narra, de maneira bastante ilustrativa, todo o acontecimento – desde o momento que a rebelião irrompeu no Carandirú, passando pela chegada dos policiais à Casa de Detenção e por fim o assassinato dos detentos –, e atesta, assim, como o próprio título da canção deixa transparecer, um manifesto contra este bárbaro acontecimento que pôs às claras a forma degradante que o Estado brasileiro percebe e trata a sua população carcerária.

Friday, October 2and, 1992
Chaos has descended in “Carandiru”
the biggest penitentiary complex in
South America
Over a hundred inmates dead and
hundreds injured in the massacre
the Police arrived with helicopters
and over two hundred armed forces
They took the jailblock called
“Pavilhão Nove”
and opened fire on the
inmates in a holocaust, method of
annihilation. The government of the city
of São Paulo cannot control
the brutality of its police
Holocaust, Body piles
Confrontation, Mutilation
Discipline, Ignorance
Conflagration, Torture

Over eighty percent of the inmates were
not sentenced yet, The bodies were filled
with bullets and bites from the Police dogs
The Police try to hide the massacre saying
there were only eight deaths
The violence of Brazilian cops is very well
known outside of Brazil, This kind of
extermination is a method that they use to
get rid of the overpopulation in the jails
The violence of the cops left the whole
pavillion destroyed after the rebellion

“Pavilhão Nove”. (Sepultura, 1993)

A música “Manifest” inicia com a voz de Max Cavalera simulando uma transmissão radiofônica. Ali, Max assumiu a personagem de um repórter investigativo, de um repórter “tipo ideal” que por meio do seu trabalho almeja a busca da verdade dos fatos e que faz das suas palavras um instrumento a favor da justiça. As denúncias inscritas ali na música são munições, o canto de Max Cavalera e a música da banda Sepultura é a arma apontada contra o Estado e, sobretudo, contra a polícia paulista.

A notoriedade do conteúdo contestatório da música já se evidencia prontamente pelo próprio título “Manifest”. Sendo assim, os integrantes do Sepultura desejavam fazer desta composição um manifesto em nome dos cento e onze sujeitos executados pela força policial de São Paulo.

Em relação aos aspectos da forma musical, “Manifest” apresenta elementos composicionais característicos da música modal e há a presença da sonoridade bastante grave como resultado da baixa afinação utilizada nas guitarras – um (1) tom em relação à afinação padrão do instrumento –, o andamento da música relativamente rápido e a utilização dos Power Chords. O antropólogo Pedro Lopes (2006) atesta que os power chords são acordes tocados nas cordas mais graves da guitarra e que utilizam um menor número de cordas do instrumento quando comparadas aos acordes “normais”. Segundo este mesmo autor, é significativa a utilização dos power chords nos riffs, tão característicos do rock metal (p. 90). Já em relação aos riffs, Janotti Jr. (2004) afirma: “No heavy metal, é muito comum a utilização do riff, uma sequência de notas que se caracteriza pela emissão de sons repetidos em momentos-chave da execução musical” (p. 19).

Figura 1: Detalhe da partitura da música Manifest, onde podem ser vistos os power chords, a baixa afinação e o andamento da música.

Figura 1: Detalhe da partitura da música Manifest, onde podem ser vistos os power chords, a baixa afinação e o andamento da música.
Fonte: Pesquisa direta, Tiago Muniz, 2014.

Outro elemento musical significativamente interessante que se faz presente na música “Manifest” é a dissonância, neste caso específico, entre a voz do cantor Max Cavalera e a guitarra do músico Andreas Kisser. Como pode ser visto na imagem abaixo, ao pronunciar as sílabas Dis – ci – pline, Max Cavalera canta-as na tonalidade de Lá (graficamente representada pela letra A). Entretanto, sobreposta a cada célula cantada por Max, a guitarra é tocada por Andreas nas seguintes tonalidades: F#5 – E5 – G5 e Bb5, o que produz uma alternância da harmonia. Sendo assim, pode-se afirmar que as notas Lá (A) cantadas por Max ao se relacionarem com as notas Sol com 5º (G5) e Si bemol com 5º (Bb5) produzem dissonâncias na medida em que o intervalo (A – G5) é uma relação intervalar de 9º maior e o intervalo (A – Bb5) é uma relação intervalar de 7º maior, portanto, intervalos que produzem dissonância conforme a teoria da harmonia musical.

Figura 2: Detalhe da dissonância na partitura da música Manifest.

Detalhe da dissonância na partitura da música Manifest
Fonte: Pesquisa direta, Tiago Muniz. 2014.

Diante do fato abordado na música aqui analisada, um questionamento se faz assaz pertinente: o que motivou a polícia militar do estado de São Paulo a cometer aquele massacre? Desta forma, como meio de responder a tal questão torna-se necessário a exposição do contexto que culminou nessa catástrofe.

Projetada, em parte, pelo arquiteto Ramos de Azevedo((Interessante notar que o arquiteto Ramos de Azevedo fora citado pelo sociólogo Sérgio Micelli em seu trabalho “Nacional Estrangeiro” por conta do seu papel enquanto mecenas e colecionador de arte junto ao movimento modernista brasileiro. Ver Micelli (2003).)) durante a década de 1920, a Casa de Detenção de São Paulo ou Carandiru, como era popularmente conhecida, nasceu com a proposta de ser um presídio modelo atento ao recente Código Penal de 1890 que continha aspirações republicanas. Assim, em termos arquitetônicos, o Carandiru era composto por pavilhões – sete ao total – e em cada um destes ficariam alojados os detentos conforme o tipo de crimes cometidos por aqueles.

Interessante notar que o Código Penal brasileiro de 1890 seguiu uma tendência generalizada desde o século dezoito entre diversos países da Europa e das Américas. O objetivo principal destas modificações no sistema jurídico era, de acordo com Michel Foucault em seu célebre trabalho Vigiar e Punir, a radical transformação dos meios e das técnicas de punição. Se outrora, tanto a sentença quanto a punição eram deliberados e aplicados em público, após as alterações nos códigos penais descritas pelo pensador francês, dar-se-á uma espécie de ocultação do condenado. Se anteriormente era por sobre os corpos dos condenados que as punições deveriam agir de forma impetuosa, agora, as punições deveriam atuar sobre os corpos como meio de conquista, de dominação da mente dos condenados (Foucault, 2013).

Em verdade, antes de ser assolada pela superlotação, a Casa de Detenção de São Paulo chegou a ser considerada, entre as décadas de 1920 e 1940, como referência no que tange à estrutura física e higienização das instalações, acomodação e trato com os detentos. Realidade comum a inúmeros presídios brasileiros, a imensa população carcerária no país vive de maneira desumana, espremida, sufocada, aos montes em celas que, a princípio, caberiam poucos. Como exemplo do que fora exposto, o Carandiru já chegou a ter entre suas dependências uma população de nove mil detentos. Este absurdo número era, ao menos, duas vezes maior do que a capacidade máxima do complexo penitenciário que alcançou o número de 3.250 após a construção de uma Casa de Detenção durante o governo de Jânio Quadros. O excesso de detentos no interior das celas do Carandiru foi a principal causa para que se deflagrasse a rebelião que culminou no “Massacre” de 1992.

A respeito da questão da superlotação do Carandiru e da sensação de quem a via de fora, portanto, da perspectiva de quem a observava de longe das suas dependências físicas, o cantor Max Cavalera aponta:

Eu lembro da prisão porque a gente quando morava em São Paulo, o Sepultura mudou para São Paulo depois, na época do “Arise” a gente já estava morando em São Paulo e tinham vezes que a gente ia ensaiar e passava de metrô, passava em frente do Carandiru, só via as mãos do lado de fora, muito depressivo pra caralho! Era uma prisão no centro de São Paulo cara! E era bem […] você via o pessoal com as mãos assim nas grades e tudo e, dava uma depressão mesmo sacou? Era um lugar negativo mesmo! Você sentia uma negatividade forte [vinda] desse lugar! (Luna, G. comunicação pessoal, 24 de agosto de 2013).((Entrevista realizada pessoalmente com o músico Max Cavalera, no dia 23 de agosto de 2013, na cidade de Fortaleza-Ceará, no hotel onde encontrava-se hospedado por conta do show que sua banda (Soulfly) realizaria na cidade. O trecho acima destacado fora publicado na dissertação de mestrado do autor. Ver (Luna, G. 2014). ))

A princípio, segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo de primeiro de outubro de 2002, exposta na dissertação intitulada Ecos do Carandiru: estudo comparativo de quatro narrativas do massacre, de autoria de Carla Sena Leite, o tumulto no pavilhão nove da casa de detenção teve início a partir da briga de dois internos deste mesmo pavilhão (2006, p. 9).

Assim, alguns presos teriam se aproveitado da confusão para dar início a uma rebelião. Diante desta situação, o então secretário de Segurança Pública, o Sr. Pedro Franco de Campos, teria telefonado para Luiz Antônio Fleury Filho, governador de São Paulo na época.

O coronel da Polícia Militar de São Paulo, Ubiratan Guimarães, logo assumiu o comando das operações e ordenou a entrada dos policiais com o auxílio de cães. Este fato provocou imediata reação, ou antes, contra-ataque dos detentos. Nesse sentido, diante do impasse no tocante às negociações, a Ronda Ostensiva Tobias Aguiar (ROTA) foi designada para controlar a rebelião. De acordo com Leite (2006), “A tropa não é preparada para esse tipo de ação e entra no presídio fortemente armada” (p.10). Assim, ao ocuparem o primeiro andar do pavilhão, os agentes da ROTA assassina todos os detentos que ali estavam. No segundo andar, mais da metade dos presos foram mortos (Leite, 2006, p. 10).

A assertiva acima exposta está, assim, em consonância com o trecho inicial de “Manifest”, quando Max Cavalera narra:

Friday, October 2and, 1992 / Chaos has descended in “Carandiru” / the biggest penitentiary complex in South America / Over a hundred inmates dead and / hundreds injured in the massacre / the Police arrived with helicopters / and over two hundred armed forces / They took the jailblock called “Pavilhão Nove” / and opened fire on the / inmates in a holocaust, method of annihilation. The government of the city / of São Paulo cannot control the brutality of its police”. (Sepultura, 1993)

Importante é a ressalva que o nono pavilhão do Carandiru abrigava, em sua enorme maioria, os réus “primários”, como bem evidencia Drauzio Varella em seu livro “Estação Carandiru”. Ainda de acordo com Varella (1999), “Embora a direção propositalmente mantenha alguns presos mais experientes no Nove, a alta concentração de jovens impetuosos é responsável pelas frequentes confusões criadas no pavilhão” (p. 35).

Após a ação da ROTA como meio de dar cabo da rebelião no pavilhão nove do Carandiru, o que se viu foi um cenário digno dos mais tensos e sanguinários filmes de horror. De acordo com Leite (2006),

Dentro das celas, cadáveres estilhaçados, que, logo depois, são levados pelos sobreviventes até o pátio. Alguns presos se misturaram aos corpos para fingir que estavam mortos e tentar sobreviver. Quase a metade dos mortos – 51 presos – tinha menos de 25 anos e 35 presos tinha entre 29 e 30 anos. A maioria era de réus primários. Dos 111 mortos, 84 esperavam julgamento e, segundo a Constituição brasileira, deveriam estar fora do presídio no momento da chacina por serem réus primários. (p. 10)

Esse chocante acontecimento (o Massacre do Carandiru) serviu de fundamentação empírica, ou antes, como inspiração aos integrantes da banda Sepultura para comporem a música “Manifest”. Nesse sentido, vale a pena expor o relato dos autores da “biografia” do Sepultura quando afirmam:

Max, em especial, estava numa fase revoltadíssima. Notícias vindas do Brasil – como o massacre do Carandiru, em São Paulo, no qual mais de 100 presos haviam sido mortos pela polícia do governador Fleury – o deixavam deprimido e irritado. Tudo isso veio à tona quando ele começou a escrever as letras de Chaos A.D. (Barcinski; Gomes. 1999, p. 126).

De acordo com o músico Max Cavalera:

Tinha um repórter amigo meu, nem lembro o nome dele, acho que era Paulo, e ele trabalhava para o “Notícias Populares”((O “Notícias Populares” foi um periódico que circulou na cidade de São Paulo entre a década de 1960 e início de 2000 e se notabilizou por um editorial que focalizava a publicação de manchetes relacionadas à violência.)), você sabe desse jornal “Notícias Populares”? É um jornal de São Paulo que só [mostrava] massacre assim [dito com todas as ênfases possíveis], as capas é gente com cabeça cortada, mutilação, é bem hardcore mesmo, parece capa do Brujeria((Brujeria é uma banda de rock metal conhecida, por entre outras coisas, pela utilização de imagens fortes nas capas dos seus álbuns.)), e ele trabalhava lá nesse “Notícias Populares” e quando rolou o lance do Carandiru, pavilhão nove, ele foi lá. Ele foi uma das primeiras pessoas que estava lá com uma câmera e ele tirou foto de tudo e ele me deu as fotos. Então, até uma das fotos que está no “Chaos A.D.” no encarte é uma foto dele. São os presos que estão costurados aqui, estão todos pelados no chão, acho que tão cem caixões, umas caixas assim, costura assim, com números, fizeram com caneta assim né meu! E os caras tudo pelado, forte, imagem forte! E as fotos que o cara me deu tinha umas fotos até piores. E eu lembro que eu peguei essas fotos aí tive a ideia: ‘vou fazer uma música sobre isso cara!’ Vamos fazer uma música sobre esse assunto que esse assunto, o mundo tem que saber desse assunto […] O Sepultura estava virando uma coisa que já estava falando para o mundo, porque a gente estava tendo sucesso já na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, na Austrália. Então eu falei, esse é um assunto que eu acho que vale a pena o mundo saber. Então até a ideia foi de fazer até um lance, a minha voz está meio como um rádio, distorcida como se eu tivesse fazendo uma […] como se fosse um locutor de rádio e a música é meio diferente que as coisas que o Sepultura fazia […] mais industrial, meio com umas barulheiras de guitarra e a minha voz falando como locutor, falando sobre o assunto; e é coisa que eu estava, acho que até li, tem parte que até tirei de jornal até de assunto de matéria de jornal que saiu sobre o pavilhão nove e no final da música ficou “Pavilhão nove” né! [sussurra como quem dá um grito gutural mas, porém, baixo]. Mas é uma música forte cara, ficou legal, essa aí eu gostei. E achei legal também que foi um lance de expor isso aí no exterior né! O pessoal lá dos Estados Unidos, da Europa, saber de coisas assim, que está acontecendo aqui. (G. Luna, comunicação pessoal, 24 de agosto de 2013)

Um dado interessante que emerge em meio às palavras do cantor Max Cavalera é que o teor contestatório da música “Manifest” extrapolou os limites impostos pela dimensão sonora e se fez presente, também, por meio da dimensão visual na medida em que uma imagem dos mortos do “Massacre do Carandiru” figurou entre as páginas do encarte do álbum “Chaos A.D.”.

Figura 3: Imagem de mortos no Massacre do Carandiru exposta no encarte do disco Chaos A.D. do Sepultura.

Imagem de mortos no Massacre do Carandiru exposta no encarte do disco Chaos A.D. do Sepultura.
Fonte: http://unboxingeverything.blogspot.com.br/. Acesso em 15 de junho de 2017.

É bem verdade que a ação adotada pelos integrantes da banda de expor tal imagem no encarte do álbum pode ser analisada sob o signo do sensacionalismo, tais quais as críticas recebidas pelas mídias que se utilizam de tais recursos como meio de promover-se. Entretanto, a perspectiva aqui focalizada destoa deste viés analítico. Muito menos do que desejar promover-se às custas da divulgação da miséria alheia, a vinculação da imagem pela banda Sepultura ao seu disco tinha por principal fundamento o choque. Nesse sentido, o elemento “choque” pode ser aqui compreendido sob um duplo viés: primeiro, o “chocar a sociedade” está entre as características mais elementares do rock e dos seus subgêneros, e figura tanto na atitude de músicos e apreciadores deste estilo musical quanto entre seus elementos estético-sonoros, ou seja, roupas, musicalidade, temas abordados nas músicas, etc.; segundo, o choque pode conter uma dimensão de evidência, de persuasão na medida em que por meio da repulsa causada, pela crueza da imagem, naqueles que a vê, estes possam ser convencidos que a ação policial foi bárbara.

Quase em uníssono com o relato de Max acerca do que o levou a compor e dos elementos poéticos de contestação expressos em “Manifest”, o músico Andreas Kisser afirma:

Manifest foi aquele lance do Carandiru, aquele choque total da polícia entrar e começar a matar todo mundo, que uma parte da sociedade achou fantástica, outra parte da sociedade achou brutal, e agora, recentemente, foi o julgamento de vários policiais que foram condenados e etc. Então foi isso, ele [Max Cavalera] tirou coisas do jornal e a gente fez a música como se fosse uma reportagem, do cara assim falando na rádio, diretamente do Brasil para o mundo. Então foi um esquema não só da letra, mas uma coisa mais artística, de usar um esquema meio jornalístico para colocar dentro de uma música. (Luna, G. Entrevista concedida ao autor em 11 de abril de 2014)((A entrevista com o músico Andreas Kisser fora realizada via Skype no dia 11 de abril de 2014. O trecho acima destacado é parte integrante da pesquisa de mestrado do autor. Ver (Luna, G., 2014).))

Após narrar o contexto em que se deu o “Massacre”, na marca 1 minuto e 47 segundos da música “Manifest” ouve-se a raivosa voz de Max Cavalera pronunciar as palavras “Holocaust, Body piles / Confrontation, Mutilation” e aos 2 minutos e 20 segundos as palavras “Discipline, Ignorance / Conflagration, Torture”.

Ora, a correlação entre disciplina e instituições prisionais parece, assim, quase que como sinônimo das perspectivas foucaultianas, ao menos, para os estudiosos deste assunto. Nesse sentido, torna-se imprescindível uma breve explanação acerca da relação Disciplina – Instituições Sociais analisada por Foucault (2013).

Em termos gerais, conforme expõe Foucault as técnicas disciplinares podem ser compreendidas enquanto recursos à transformação dos indivíduos em corpos dóceis, ou seja, em corpos que podem ser “manipulados, aperfeiçoados e transformados” (p. 132). Sendo assim, “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’” (Foucault, 2013, p. 133).

A disciplina seria, segundo o pensador francês, o produto de um longo desenvolvimento técnico, ou seja, de conhecimentos, de saberes que estariam assim, atuando junto às formas de poder em meio à dominação e sujeição dos indivíduos. Desta forma, as técnicas disciplinares se fariam presentes no cerne das mais preponderantes instituições sociais, tais quais: a Igreja, a escola, o exército e a prisão. Sobre esta última, Foucault expôs: “A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, por meio de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência” (2013, p. 217).

Sendo assim, os músicos da banda Sepultura foram muito sagazes ao correlacionar a ideia da “disciplina” com a instituição prisional, ou antes, no caso específico da música aqui trabalhada, com a Casa de Detenção de São Paulo.

Outra palavra que emerge em meio ao trecho da música “Manifest” acima destacado e que merece ser melhor analisada é “Torture”. Assim sendo, discutir os casos de torturas policiais é, antes de qualquer coisa, constatar o elo que correlaciona os fatos abordados na música da banda Sepultura aqui analisada, ou seja, a tortura como prática dos agentes do Estado durante o regime militar brasileiro entre os anos de 1964 e 1985; e a tortura enquanto prática recorrente da polícia militar brasileira ainda hoje.

Sendo assim, a situação dos presos abarrotados nas celas do Carandiru, por si só, já se configuravam enquanto formas de tortura, haja vista que manter qualquer indivíduo nas condições desumanas iguais àquelas que se encontravam os detentos daquele presídio, era o mesmo que “tudo aquilo que deliberadamente uma pessoa possa fazer a outra, produzindo dor, pânico, desgaste moral ou desequilíbrio psíquico, provocando lesão, contusão, funcionamento anormal do corpo ou das faculdades mentais, bem como prejuízo à moral” (Arquidiocese de São Paulo, 1985, p.2).

O fato de que o sistema judiciário brasileiro ainda não ter punido os responsáveis por crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar no Brasil ajudou a disseminar entre as forças armadas e militares do país a fatídica ideia de que novos crimes, iguais àqueles, poderão ser novamente cometidos, pois terão igual fim: a impunidade.

É chocante pensar que hoje, passados mais de trinta anos do fim do regime ditatorial, a polícia tortura muito mais do que naqueles mórbidos tempos. De acordo com o jornalista Bruno Versolato, baseando-se na pesquisa da socióloga norte-americana Kathryn Sikkink, o Brasil é hoje mais violento do que fora na “Ditadura”. Segundo Versolato: “A pesquisadora usou uma escala desenvolvida pela Anistia Internacional. O Brasil dos militares tinha índice 3,2 na escala da repressão aos direitos humanos. Saltou para 4,1 na tal democracia em que vivemos – mais que os 4,0 das ditaduras na Argentina e no Chile” (2008, p. 36).

A relação Impunidade versus Aumento da violência (tortura) pode ser também entendida por meio do seu contrário. Afirma Versolato que em países que vivenciaram regimes autoritários e/ou ditatoriais e que puniram, de alguma forma, os responsáveis pelos crimes contra os direitos humanos tiveram diminuídas as suas taxas de violência (2008, p. 36).

Diante do que fora exposto até o momento torna-se premente realizar uma ressalva no que se refere a relação entre música e posicionamento contestatório ou de resistência. Diversos trabalhos acadêmicos circunscritos às áreas das ciências humanas e linguística dão conta das expressões artísticas no geral, e da música em específico, enquanto representações que emergiram em contextos de opressão e violência perpetrados por regimes ditatoriais em diversos países do mundo. Estas expressões artísticas exprimiam, através das suas formas e conteúdos, o ideário de oposição ao sistema antidemocrático e o desejo por uma sociedade mais livre e justa. A título de exemplo, o historiador Marcos Napolitano (2010) expõe a relação entre a música popular brasileira (MPB) e o contexto de redemocratização do país em finais da década de 1970 e início da década seguinte. De acordo com este autor, “Consagrada como expressão de resistência civil ainda durante os anos de 1960, a MPB ganhou novo impulso criativo ao longo do período mais repressivo da ditadura, tornando-se uma espécie de trilha sonora tanto dos ‘anos de chumbo’ quanto da ‘abertura’” (Napolitano, 2010, p. 389). Já o etnomusicólogo português Pedro Cravinho (2012) evidenciou o uso do jazz por parcela da comunidade universitária portuguesa como elemento de resistência contra a política colonialista portuguesa em países africanos.  Seguindo esse mesmo viés, o trabalho do historiador José Fabiano Gregory Cardoso de Aguiar (2008) expõe como os artistas das mais variadas expressões – teatro, artes plásticas, literatura e, sobretudo, a música –, uniram-se junto aos movimentos sociais contra o governo autoritário uruguaio da década de 1960.

Após breve digressão, retornemos à terceira e última parte da música “Manifest”, Max Cavalera volta a narrar, tal qual um repórter, os horrores perpetrados pelas forças policiais de São Paulo. A partir dos 3 minutos o eu lírico informa:

Over eighty percent of the inmates were / not sentenced yet, The bodies were filled / with bullets and bites from the Police dogs / The Police try to hide the massacre saying / there were only eight deaths / The violence of Brazilian cops is very well / known outside of Brazil, This kind of / extermination is a method that they use to / get rid of the overpopulation in the jails / The violence of the cops left the whole / pavillion destroyed after the rebelion / Pavilhão Nove. (Sepultura, 1993)

A assertiva apontada por Max ao afirmar que o pavilhão nove havia sido todo destruído após a rebelião está em consonância com as palavras de Drauzio Varella. De acordo com este último, “Na reforma que o pavilhão sofreu depois do massacre de 1992, os beliches de madeira varados de bala foram substituídos por lajes de concreto” (Varella, 1999, p. 34).

Interessante notar que, excetuando-se o Coronel Ubiratan Guimarães que fora julgado em 2001 a 632 anos de prisão e, posteriormente, fora absolvido das acusações no ano de 2006, somente em 2013, vinte e um anos após o “Massacre do Carandiru”, deu-se início aos julgamentos de 86 policiais envolvidos no massacre. Importante também frisar que no período que separa o “Massacre” até o julgamento dos policiais iniciado em 2013, cinco deles morreram, alguns foram aposentados e muitos permaneceram atuando junto à corporação. Fato que só corrobora para a crença na morosidade do sistema judiciário brasileiro e na impunidade correlacionada aos crimes cometidos por agentes do Estado((Para maiores informações acerca do julgamento de 26 dos 86 policiais acusados de envolvimento com o “Massacre do Carandiru” ver a matéria da BBC Brasil no link:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2013/04/130421_carandiru_veredito_rn_fn.shtml. Acesso em 22 de abril 2017.)). Um detalhe perturbador que merece ser aqui mencionado é que, em finais do ano de 2016 o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo anulou o julgamento anterior que condenava setenta e quatro policiais pelos atos cometidos no Massacre do Carandirú. De acordo com a assertiva do desembargador Ivan Sartori da 4º Câmara Criminal do TJ, não houve assassinatos em massa, mas sim, obediência hierárquica e atos de legítima defesa((Para maiores detalhes acerca da anulação dos julgamentos de 74 policiais envolvidos no “Massacre do Carandirú, ver matéria do jornal Folha de São Paulo no link que segue:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/09/1817306-tj-anula-julgamentos-que-condenaram-pms-no-massacre-do-carandiru.shtml. Acesso em 22 de abr. 2017.)).

Considerações Finais

O texto aqui apresentado fundamentou-se, desde o início, na premissa que se apresentava enquanto característica intrínseca ao rock em geral e ao heavy metal em específico, a saber: de que são estilos musicais, e concomitantemente, estilos de vida que adotam uma postura contestatória e de resistência diante dos elementos sociais por eles considerados conservadores. No entanto, é notório que o teor contestatório não é exclusivo das expressões artísticas circunscritas à música e/ou às composições relativas ao heavy metal. Como bem salientaram Cravinho (2012), Diniz (2012) e Napolitano (2010), outros estilos musicais como a música popular brasileira e o jazz serviram como meio de expressão de oposição de parcelas da sociedade contra os flagelos perpetrados pelo Estado.

Importante destacar aqui que os conceitos de “contestação” e “resistência” foram tomados ao longo deste estudo enquanto elemento social, enquanto prática pertinente entre as ações dos agentes sociais, sobretudo, quando ligadas às atividades reivindicatórias e de oposição contra o status quo moral e social vigentes em dada sociedade, configurando-se enquanto postura política.

Assim, sendo o ato contestatório algo pertinente na realidade social, poderia ele servir de conteúdo às expressões artísticas, haja vista que toda arte é prenhe de traços da realidade, mesmo quando a negam de forma radical, pois há relação mesmo na negação. Desta forma, não são raras as produções artísticas que evidenciam, por meio de sua forma, conteúdos contestatórios a determinados elementos da realidade empírica. E as expressões musicais não são diferentes e, assim, reverberou ao longo de sua existência e em todo o mundo, inúmeras composições que atestam um ethos contestatório e de resistência.

Foi com base nessa perspectiva, que se fez uso neste texto da música “Manifest” da banda Sepultura como um meio de ilustrar como as expressões musicais podem evidenciar conteúdos de resistência, de denúncias acerca dos problemas sociais vivenciados pelos agentes sociais em meio à realidade empírica e, no caso específico do “Massacre do Carandirú”, um acontecimento que marcou com sangue de muitos a história do sistema penal do país. Pretendeu-se, por meio da análise da referida música, evidenciar não somente a visão geral daqueles que relegam os presos à posição de semi-humanos, ou quase não-humanos, mas também, a forma como a esfera judicial brasileira é, muitas vezes, conivente com tais crimes e, por fim, como a não punição dos autores de crimes cometidos em nome do Estado brasileiro só faz acentuar o sentimento e, até certo ponto, a certeza de impunidade correlacionada a crimes cometidos por agentes de segurança pública no Brasil.

Como todo artigo acadêmico tem seus limites, este não seria diferente e, nesse sentido, é sabido que algumas lacunas ficaram expostas. No entanto, mais do que possíveis falhas, os “silêncios”, as “ausências” deste texto podem transmutar-se em horizontes de possibilidades, em potencialidades para novos escritos, sejam do autor ou de outros pesquisadores interessados no tema em questão. É com base nessa assertiva, que destacamos algumas questões que poderão nortear possíveis trabalhos futuros: Qual a real potencialidade das artes em geral e da música em específico para promover mudanças político-sociais? A música pode ser compreendida como um meio de conscientização dos sujeitos? Ainda há espaço para se pensar determinadas expressões artístico-musicais sob o espectro da dualidade esquerda x direita? As músicas contestatórias ainda são produzidas por uma parcela da juventude de classe média intelectualizada ou também estão sendo feitas por agentes das classes subalternas? Quais os estilos musicais que podem ser, hoje, considerados como exemplos de resistência no Brasil e em outros países ibero-americanos?  Em países livres de regimes autoritários, quais os principais alvos das artes contestatórias?

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Para citar este artículo: Barreto, G. (2017). “Manifest”: a música como acontestação ao Massacre do Carandirú. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales VIII, pp. 92 – 114. Recuperado en https://iberoamericasocial.com/manifest-musica-contestacao-ao-massacre-do-carandiru

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