DescargarAlessandra di Giorgi Chélest.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
agchelest@gmail.com

Jussaramar da Silva.
CEHAL/PUCP-SP.
Professora CAPJXXIII/UFJF.
jussaramar@gmail.com

Recibido: 01/09/2018 – Aceptado: 28/01/2019

 

Resumo: O artigo ora apresentado se remeterá ao material audiovisual que retrata o período dos anos de 1980 e demonstra a atuação de guerra produzida pelo Estado chileno com o objetivo de manter a coerção das populações que já viviam sob o jugo da Ditadura pinochetista desde 1973. São imagens produzidas pelo cinegrafista Pablo Salas que mostram como viviam as populações chilenas em estado de guerra; vivenciando, no cotidiano, o teatro de operações desencadeadas pelo Estado, seja através dos interrogatórios, desaparecimentos forçados ou assassinatos, seja através da intimidação constante dos militares no cercamento aos bairros com revistas minuciosas e fichamento às casas e às pessoas. Longe de ser uma guerra beligerante quando se trata do enfrentamento entre estados, a guerra desenvolvida no Chile se refere à Doutrina de Guerra Contrarrevolucionária, calcada na DNS (Doutrina de Segurança Nacional), e lança mão do artifício do inimigo interno para colocar toda a população chilena, especialmente a mais empobrecida, sob a mira do Estado que desenvolve ações persecutórias constantes. Embora os preceitos doutrinários já aparecessem na DSN, a prática da atuação e o desenvolvimento do modus operandi se deveu à compilação de dados e transmissão de experiência realizada pela França a diversos países do mundo.

Palavras Chave: Ditadura Chilena, audiovisual, doutrina de guerra contrarrevolucionaria, Terror de Estado, inimigo interno.

 

Abstract: The article presented here will refer to the 1980s audiovisuals that perform the war actions produced by the Chilean State in order to maintain the coercion of the populations that had already lived under the yoke of Pinochet dictatorship since 1973. These are Pablo Salas images that show how Chilean populations lived in a state of war, experiencing the theater of operations unleashed by the State, whether through interrogation, forced disappearances, assassinations, or constant intimidation of the military by  besieging the neighborhoods (called zones by dictatorship) with meticulous searches and  houses and people being booked. Far from being a belligerent war when it comes to confrontation between states, the war developed in Chile refers to the Counter-Revolutionary War Doctrine, based on the National Security Doctrine, and uses the strategy of the internal enemy to put the entire Chilean population, especially the most impoverished under the aim of the State that develops constant persecutory actions. Although the doctrinal precepts already appeared in the DSN, the practice of the modus operandi´s performance and development was due to the compilation of data and transmission of experience carried out by France to several countries of the world.

Keywords: Chilean dictatorship, audiovisual, doctrine of counterrevolutionary war, Terror of State, internal enemy.

 

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Introdução

Este artigo objetiva apresentar ao leitor a confirmação da existência de aspectos da Doutrina de Guerra Contrarrevolucionária na Ditadura Chilena nos anos 80; segundo demonstrado nas imagens analisadas neste texto. Tal doutrina foi desenvolvida pelo Coronel Roger Trinquier da França durante os processos de independência da Indochina e Argélia nos anos de 1950, baseadas na experiência da Indochina, sendo usadas em larga escala na Argélia, com os Generais Massu e Aussaresses. Terminadas as guerras independentistas, a doutrina fora exportada para os Estados Unidos com cursos oferecidos pelo General Aussaresses nas escolas de formação militar estadunidenses e, logo em seguida, para a América Latina – especialmente nos países sob ditaduras durante os anos de 1960/1970. Além das escolas norte-americanas de formação, algumas se especializaram na formação doutrinária e recebiam militares de toda a América Latina para treinamento. No caso do Chile, sabe-se hoje, por dados documentais e depoimentos, que além do treinamento nas escolas dos Estados Unidos, também desenvolveram treinamento no Brasil no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus((A respeito do contingente oficial treinado no CIGS, ver: CIGS. Almanaque do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) (Centro Coronel Jorge Teixeira/1999). Sem local: sem editora, 2010.  Todavia, há controvérsias nos números de chilenos treinados, visto que Aussaresses e Maneul Contreras relataram enviar contingentes permanentes de treinamento no Brasil. Cf. SILVA, Jussaramar da. As conexões repressivas no Cone Sul (1960-1990): Terrorismo de Estado em conexão internacional. São Paulo: PUC/SP, 2017, tese.)), capacitando-os a lidarem com o que denominaram inimigo interno dentro de seu país: geralmente a população trabalhadora, marginalizada em sua vida social.

A participação internacional nesse processo, especialmente a estadunidense, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista da atuação, foram fundamentais para que a Ditadura Chilena pudesse subsistir no poder durante tanto tempo, contando inclusive com reforço econômico e político internacional.

Ressalta-se que os anos que estão sob foco neste artigo são um período pouco discutido pela historiografia em geral, deixando lacunas ou interpretações que não correspondem à realidade do período e que não condizem com as imagens que se tornam, aqui, os documentos centrais de análise. Recuperar tais materiais mostra como a Ditadura Pinochet se manteve no poder utilizando-se da força, também neste período, com a mesma ferocidade do período inicial. Comprava-se que, longe de ter sido um momento mais brando da ditadura, podemos considerar que se tratou de uma continuidade da atuação atroz, recuperando os campos de concentração e estádios, quando se tomou conhecimento dos aprisionamentos no Estádio Nacional.

O material utilizado para a análise foi produzido por uma imprensa independente, fora dos círculos oficiais de produção, e que teve o caráter de resistência; tornando possível ao mundo conhecer o que se passava no período, tendo a função social de denúncia contra a Ditadura Pinochet. Formaram-se círculos de fotógrafos e cinegrafistas que atuaram em simbiose junto a movimentos sociais, conformando imagens de denúncias contra a atuação do Estado, que se tornaram um importante material, inclusive no exterior, quando a censura imperava nos meios de comunicação chileno. Foi fundamental para que se formasse a opinião pública internacional, inclusive os organismos de Direitos Humanos, mobilizando setores no mundo todo por causa dessas imagens.

O material audiovisual foi selecionado a partir do acervo do cinegrafista e documentarista Pablo Salas, que desvelou em imagens os aspectos que ora apresentamos sob este formato. Pablo Salas (1955) é um sujeito cuja resistência foi forjada nas ruas, no quotidiano da reação às violências cometidas pelos agentes do Estado, em um momento em que se declarava que tal já não existia e que, por assim se mover, as imagens capturadas por ele nos instantes das ações políticas e, posteriormente transformadas em documentários, adquiriram singularidade de imagem testemunho.

O resgate da trajetória de Salas já indica seu diferencial no campo da cinematografia, que é seu olhar politicamente engajado, completamente envolvido com a denúncia, objetivando ser um instrumento de luta contra a ditadura por meio das imagens produzidas por sua câmera.

Nasceu em uma família solidária que escondia, em sua própria casa, perseguidos políticos desde as primeiras semanas do golpe deflagrado por militares em 11 de setembro de 1973. Em seu percurso universitário, em 1979, renunciou à universidade de engenharia nos últimos anos, afirmando seu desencanto com a carreira, impactado com a violência da ditadura que grassava o país. Encontrou no teatro, guiado pelas mãos de sua mãe Baby Salas, uma forma de se integrar às atividades políticas. Seu primeiro contato como câmera e produtor foi na produtora do Teatro Popular ICTUS.

Por volta de 1983, Pablo passou a trabalhar como correspondente para emissoras internacionais, entre elas a RAI (Itália), a TVE (Espanha), a ARD (Alemanha), assim como canais da Áustria, Austrália e EUA. Fez um pedido a todos os canais, gostaria de permanecer com o material que produzia, nenhum deles se opôs.

A intenção de guardar as imagens revela o envolvimento de Salas com a situação em que se encontrava o país. Em suas entrevistas, relata que entendia a importância das imagens, da denúncia e, portanto, era essa a sua forma de lutar contra a ditadura; para ele, “disparar uma câmera era mais valioso que disparar uma arma”. Portanto, algo muito característico do vídeo chileno dos anos 80 teve a participação de Pablo.

Salas não se limitou a ceder imagens ou enviá-las ao exterior como correspondente; juntou-se, pois, a um grupo de jornalistas ligado à revista Analisis como câmera para contribuir com o Teleanalisis – conhecido como noticiário não oficial. Em meio à ditadura militar, quando quase ninguém se atrevia a dar um contraponto às notícias oficiais, surgiu o Teleanalisis escancarando imagens da realidade chilena, das violações de direitos humanos. O jornal circulava em fitas VHS dirigidas a instituições já inscritas.((A respeito da atuação de Pablo Salas, ver: Chélest, Alessandra di Giorgi. Ainda assim resistimos: a particularidade da mobilização social chilena a través das lentes de Salas. 2017, 186 f Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.Sobre o Teleanalisis, ver: GARRATE, Rodolfo, NAVARRETE, José. Teleanalisis el registro no oficial de una época. Tesis para optar ao grado de licenciado en comunicação. Universidade Diego Portales))

A denúncia através das imagens

Este artigo recupera a continuidade da repressão no Chile através de imagens produzidas entre os anos 1980 a 1986, tomadas pelo cinegrafista Pablo Salas, integrante do que foi convencionado chamar imprensa independente((Entende-se o sujeito, imprensa ou coletivo independente, aquele que está fora do círculo oficial de comunicação e sua produção deve ser um material com uma função social; sendo, no contexto ditatorial, aquele que busca sua modificação ou denúncia. Baseado em: ULLOA, Yessica. Video independiente en Chile. Santiago: CENECA, 1985.)). Essa imprensa foi responsável por fazer a cobertura e a divulgação de atos de resistência à ditadura, como também por denunciar a violência de Estado cometida naquele país. Para tanto, documentários e reportagens foram enviadas para fora do Chile e também obtiveram circulação interna garantida através de uma rede de distribuição de vídeos elaborada por grupos que disseminavam informações censuradas.

Conforme a investigadora chilena sobre vídeo independente, Yessica Ulloa, em meados de 1984, foram detectadas mais de 60 produtoras de vídeo, redes informais, no interior das quais se destacam grupos como o Ictus, o Eco, a Teleanálisis, o Ceneca e o Processo; todos com foco em registros de manifestações, elaboração de vídeos educativos, programas jornalísticos e documentários. Suas redes de distribuição concentravam-se majoritariamente em Santiago, mas a circulação dos vídeos alcançava de norte a sul do país. Ulloa (1985) relacionou em suas pesquisas algumas das cidades mais mencionadas nos arquivos das difusoras, que são: Iquique, Copiapó, San Felipe, Valparaiso, Curicó, Talca, Linares, Concepción, Valdivia, Osorno, Ancud, Castro e Punta Arenas.

O vídeo, nos anos 1980, tornou-se ferramenta capaz de responder, registrar e veicular momentos de embate, de ações e contestações tornando-se um material audiovisual divergente. O vídeo, no período em questão, conformou-se também vídeo-resistência. Com seu “olhar impertinente” questionou; aportou novas visões carregadas de diferentes significações; apresentou temáticas particulares, carregadas de conteúdos e estilos diferenciados. De tal sorte que seu modo de produção foi de encontro com a lógica dominante do período, que buscava por meios de comunicação reafirmar as políticas de Estado.

A importância das imagens, principal fonte das quais serão extraídas as informações para este artigo, é que essas expõem o volume, a gravidade e a natureza sistemática dos abusos aos direitos humanos perpetrados no Chile ditatorial e oferecem uma chave para compreender a manutenção do projeto político ditatorial e suas estruturas burocráticas criminosas até os anos de 1980, inclusive as tramas por detrás da ditadura, o que envolvia poderes econômicos nacionais e internacionais, políticos e seus aliados (Moraes, 2017).

A proposta é analisar as “figuras fílmicas”,

entendidas aqui como as formas particulares de expressão, neste caso originada não só pela própria representação, mas sobretudo por determinados princípios específicos ao cinema (um deles é, por exemplo, a complexa temporalidade da imagem fílmica). Neste sentido, por exemplo, olhar para a atmosfera como sendo um elemento fílmico parece legítimo na medida em que a sua presença pode enriquecer a análise cinematográfica. (…) A atmosfera assemelha-se a um sistema de forças, sensíveis ou afetivas, resultando em um campo energético, que circula num contexto determinado a partir de um corpo ou de uma situação precisa. (Gil, 2005, p. 143)

Da mesma forma, a análise do ambiente contido nas imagens produzidas, ou mesmo o som, todos contribuem para o que se explicita como aspectos que nos permitem chegar à estética fílmica e à dimensão histórica que assim se revela. Particularmente porque, grande parte das imagens a serem analisadas foram produzidas no momento mesmo em que a repressão ocorria, muitas vezes contra os próprios câmeras.

Através das investigações, chegou-se à relação de simbiose entre essa produção independente e grupos de resistência à ditadura, ou seja, ambos possuíam o mesmo objetivo. Mas, cada qual com seus recursos; os quais, utilizados conjuntamente, transformaram-se em uma verdadeira guerrilha de imagens((Termo utilizado refere-se ao audiovisual e indica ser a imagem instrumento de poder, disputa e luta; por consequência, choque também no campo cultural. Sendo assim, não se refere a profissionais como fotógrafos ou cinegrafistas atuando como guerrilheiros.)). Esse meio, o audiovisual, documentação específica que aqui se analisa, foi a forma de materialização de significados, valores e ideais dos grupos resistentes, como também de denúncia do Terrorismo de Estado vigente naquele período. Por Terrorismo de Estado, compreende-se que

El terror paraestatal, ejercido clandestinamente, le permite además al gobierno responsable afirmar que fueron «ajustes internos entre la guerrilla», o que fue el accionar de grupos no identificados que actuaban al margen de la autoridad estatal, por lo cual esta no tenía nada que ver con el asunto. La teoría de la irresponsabilidad estatal, desarrollada de esta manera, se encuentra en franca contradicción con la idea del estado de derecho, cuyo eje radica en la cadena de responsabilidad explícita de sus funcionarios. La excusa de ignorancia estatal por un lado, la insinuación de ciertos excesos que “en toda guerra suelen ocurrir» por el otro, cumplían un mismo objetivo: disimular la responsabilidad por el terrorismo de estado desencadenado. (Spitta, 1993, p. 167).

Após o golpe de Estado, houve uma ruptura no tecido social chileno, fator que gerou perseguidos e perseguidores. Nesse sentido, houve a criação do outro dentro do próprio país, ou seja, o outro que era o semelhante, o vizinho, o que caminha ao lado, a mãe ou pai do colega do filho na escola, as variáveis são infinitas, ou seja, era o inimigo interno. A lógica imposta pelo Terror de Estado fora justamente a que disseminou o inimigo pela sociedade, criando um estado permanente de suspeição.

A denominação do outro impôs a lógica do medo, criando dissenções dentre os grupos. A classe trabalhadora se viu acuada como fora historicamente. A prática de intervenções militares fora uma constante no Chile ao longo do século vinte, e o de 1973 é a sequência de um modelo anterior, embora este tenha características específicas de ser caracterizado como Terror de Estado.

O Golpe de 1924 é significativo, principalmente, porque foi seguido de uma ditadura em 1927, capitaneada pelo coronel Carlos Ibañez. Os dois fatos demonstraram que houve uma tradição intervencionista dos militares na vida política chilena. No mais, de acordo com a análise de Joan Alcazár, fora “uma resposta autoritária a problemática incorporação à vida política de novos setores sociais, assim como as condições em que a dita incorporação havia que materializar-se.” (Chelest, 2017, p. 139)

Ou seja, o que se viu ao longo do século vinte, embora as rupturas possam ser mais profundas e apresentem caráter semi-fascista a partir de 1973, é uma lógica constante de golpes de Estado.

O outro como o inimigo interno

A criação do inimigo interno na ditadura chilena tornou-se fator primordial para desencadeamento do processo persecutório que vigorou em todos os anos da ditadura Pinochet. Conceitualmente, podemos perceber o inimigo interno inserido no meio de uma Guerra, a contrarrevolucionária, a qual

não se tratava mais de uma guerra travada entre dois exércitos regulares (guerras convencionais), mas das forças armadas militares e civis a que se somaram as forças paraestatais contra um inimigo invisível, ou seja, podia estar em qualquer lugar, ser qualquer um. Com isso a noção do comunista, subversivo, estende-se a toda a sociedade civil; pois não está mais restrita a integrantes de uma organização política. (Silva, 2017, p. 40)

A tentativa de criação do inimigo buscava o rompimento do tecido social chileno; este, um tecido que, historicamente, constitui-se através da permanente luta de diferentes segmentos sociais, trabalhadores de diferentes matizes, por fazer valer direitos de cidadania e de inserção social, o que forjou um sentido de solidariedade para além das organizações partidárias cujas bandeiras nem sempre os unia.

Tal ruptura provocada pelo Terrorismo de Estado, implantado no Chile no período de 1973 a fins de 1980, gestou essas novas relações de alteridade construídas culturalmente. Tais relações são mediadas por signos que são dispositivos sociais utilizados para o estabelecimento dos processos e relações sociais, tendo a linguagem como operadora de um papel fundamental no desenvolvimento humano, ou seja, da própria consciência no mundo; porque integra o desenvolvimento do pensamento.((Vygotski, Lev S. El significado histórico de la crisis de la psicología. LS Vigotski. Obras Escogidas, v. 1, p. 257-407, 1927, p. 181. “Durante el proceso de desarrollo psicológico surge, por consiguiente, la fusión de determinadas funciones que al principio se hallaban en dos personas. El origen social de las funciones psíquicas superiores constituye un hecho muy importante. También es digno de señalar que aquellos signos que nos parecen haber jugado tan importante papel en la historia del desarrollo cultural del hombre (como muestra la historia de su evolución) son en origen medios de comunicación, medios de influencia en los demás. Todo signo, si tomamos su origen real, es un medio de comunicación, y podríamos decirlo más ampliamente, un medio de conexión de ciertas funciones psíquicas de carácter social. Trasladado a uno mismo, es el propio medio de unión de las funciones en uno mismo, y lograremos demostrar que sin este signo el cerebro y sus conexiones iniciales no podrían convertirse en las complejas relaciones en que lo hacen gracias al lenguaje. Por consiguiente, los medios para la comunicación social son centrales para formar las complejas conexiones psicológicas que surgen cuando estas funciones se convierten en individuales, en una forma de comportamiento de la propia persona.”)) Assim, através do golpe, dá-se também a produção cultural da diferença, utilizando-se da violência, não somente física, como também simbólica, através do golpe estético((Duas foram as operações colocadas em andamento para pôr em prática as ações necessárias ao “Golpe Estético”: A “Operação limpeza e Corte” cujo objetivo era demolir o projeto social, político e cultural do antigo governo; e a segunda operação foi a “Campanha de Restauração”, composta por diversas iniciativas implantadas pela ditadura em busca de uma chilenidade perdida, utilizando-se também da recuperação do patrimônio cultural comum com forte propósito nacionalista para isso. A Operação Limpeza e Corte, levada a cabo entre 1973 a 1976, constitui-se em uma desinfecção da sociedade impetrando ações nada inéditas aos olhos da humanidade. Obviamente, as mais condenáveis, as agressões físicas juntamente aos desaparecimentos e mortes foram os primeiros atos, que foram seguidos de buscas em universidades, escritórios, casas por materiais subversivos – revistas, livros, discos que, quando encontrados, eram queimados. Os muros, locais de expressão popular, não foram esquecidos; o povo foi calado, o cinza imperou. Veio a ordem de limpeza e pintura dos muros, das casas e prédios, cada um deveria manter sua residência livre de cartazes ou de qualquer propaganda partidária a fim de manter a ordem e a higiene. Tons violentos foram proibidos para pintura de edifícios e casas: o cinza, o branco e o verde claro preponderaram.)). Por outro lado, resultado da atividade humana conjunta, os laços de solidariedade constitutivos do tecido social chileno emergiram através dos protestos, gestos simbólicos objetivados em ações concretas, apropriados pela imagem, possuindo seu ápice na utilização do signo como instrumento de poder de luta.

Portanto, ao ponderar sobre as imagens produzidas pelos coletivos independentes, é necessária a consideração da existência de um choque ou disputa travada também no campo cultural,((Zanella, Andréa Vieira. Sujeito e alteridade: reflexões a partir da psicologia histórico-cultural. Psicologia & Sociedade, v. 17, n. 2, p. 99-104, 2005.)) mas que teve seus fundamentos na denúncia dos atos de lesa-humanidade praticados por aqueles que assumiram destruir o tecido social chileno como condição para a implantação de um novo padrão de desenvolvimento socioeconômico.

São imagens descompostas, fragmentadas, tremidas, não fáceis de formar um corpo que tratavam de denunciar a tortura, a morte, o desaparecimento. Tremem, estão fora de foco, transparecem o invisível pelo visível, os golpes de zoom, os travelings aos solavancos não mostram quem ali não pode mais estar; mas demonstram a brutalidade do que foi e traduzem o que se passou com as pessoas golpeadas durante a ditadura. Nelas, ficam nítidas as táticas e estratégias formuladas para fins persecutórios.

Tais táticas e estratégias basearam-se na conformação da Doutrina de Guerra Contrarrevolucionária, unida no Chile à Doutrina de Segurança Nacional (adiante, DSN), que aliás, é uma vertente utilizada pelas ditaduras civis-militares no Cone Sul.

A Doutrina de Guerra Contrarrevolucionária expressava um tipo de combate diferente dos convencionais; que eram marcados (fundados) nos formatados na Primeira e na Segunda Grande Guerra. Amparadas pelas mesmas técnicas de guerrilhas, originárias dos estudos de trabalhos como o de Mao Tsé-Tung, principalmente, tais estratégias e táticas haviam sido desenvolvidas gradativamente, conforme os confrontos com suas colônias. Enquanto na Indochina, os combates davam-se ainda sem definições precisas das táticas da Contrarrevolução, ainda baseados nos formatos das guerras convencionais, que são aquelas em que os Estados beligerantes se enfrentam, tal como ocorreu na Primeira e na Segunda Guerra Mundial; na Argélia, o Exército e as Forças Policiais francesas foram instruídos conforme os preceitos conhecidos como Guerra Moderna, ou Guerra Suja, ou Guerra Revolucionária, ou Guerra Irregular, ou Guerra de Contra Insurgência, para ficarmos em alguns exemplos da nomenclatura utilizada, conforme o autor e/ou documento citado. (Silva, 2017, p. 39)

A formulação de tal ideário foi realizada pelo General Trinquier e chegou nas Américas – primeiro nos Estados Unidos – e depois Argentina através da Missão Militar Francesa, que treinou os generais para o golpe de 1976. Já no Brasil, inicialmente por manuais militares, conforme apontou Chirio (2012), e depois pelas mãos do General Aussaresses em cursos ministrados no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) em Manaus, entre 1973 e 1975, quando inclusive houve treinamento de militares chilenos nas “novas” modalidades (Silva, 2017).

A junção entre o “inimigo interno”, presente na DSN somada à Doutrina de Guerra Guerra Contrarrevolucionária (DGCR) se traduziu numa estratégia utilizada em larga escala. Assim,

[a] estratégia contrarrevolucionária […] serviu, sobretudo para formar uma escolástica militar rígida, um manual da guerra revolucionário que se tornou, desde 1961, a base do ensinamento dado aos exércitos latinoamericanos. De 1965 em diante, o ensino dessa escolástica superou, nas escolas militares, o ensino consagrado a outras formas de guerra (Stepan, 1973, p. 57 apud Comblin, 1978, p. 47). […] Eis então a explicação para a extraordinária distância entre a realidade latinoamericana e o aparelho conceitual de que dispõem os militares da Segurança Nacional para interpretarem essa realidade. Pois, afinal, não houve e nem há, na América Latina, nada que se pareça, nem de longe, com uma guerra revolucionária no sentido de Mao (Comblin, 1978, p. 47).

O aparato formado do ponto de vista teórico se conformou na prática. A atuação dos militares chilenos, aqui tratadas do ponto de vista do audiovisual, pode ser vista nas imagens reproduzidas a seguir. E elas se imiscuíram na ação cotidiana e truculenta das Forças Armadas chilenas, pelas mãos de seu mais poderoso órgão de informações, a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), e em seguida pela sua substituta, a Central Nacional de Informação (CNI).

O recorte adotado neste artigo, focalizando os anos 80, não foi aleatório. Sua relevância deriva de, desde 1977, em decorrência principalmente da pressão internacional, o famigerado órgão repressivo chileno, DINA, ter sido “extinto”; sendo substituído pela CNI, através do decreto lei 1.873 de 13 de agosto de 1977. Isso ensejou, na mídia internacional, a veiculação da ideia de que, a partir de então, a ditadura arrefecera seu Terrorismo de Estado. Internamente ao país, a imprensa passou a noticiar as propostas da “democratización segura”, ou seja, tratar-se-ia de um novo período, as pessoas poderiam se sentir seguras e os exilados poderiam regressar. Porém, como afirmou Teresa Valdes, em seu artigo intitulado Las Mujeres y la ditadura en Chile, no qual procura traçar um panorama dos anos 1980 no Chile, a situação era outra.

El debate impuesto por Pinochet es “yo o el caos” donde la doctrina de la seguridad Nacional transforma en enemigos a amplios sectores de la población, y la política una actividad delictual. (…) en términos psicológicos la población ha sido víctima del amedrentamiento. La persecución de dirigentes y activistas de base y sus familiares, la acción encubierta de comandos civiles, el recurso al Estado de Sitio con su escuela de represión y muerte, constituyen una poderosa arma del control por efecto de demonstración: “Si participa, si protesta, si se opone a Ud. a su familia pode pasar algo. (Valdes, 1987, p. 12)

Chile dos Anos 1980: protestos e a relação com os EUA

O início da década de 1980 foi marcado por uma das mais graves crises econômicas sofridas no Chile, decorrentes de mobilizações que já despontavam em 1979; que se intensificaram em 1981 e se estenderam até 1986. A taxa de desemprego atingiu 30% da força de trabalho ao final de 1983. A quantidade da população em pobreza absoluta sofreu um aumento de 55% naquele ano. A inflação chegou a 30%, no ponto mais alto da crise, em 1985 (Barandiarán,1999). Segundo Julio Pinto e Gabriel Salazar, historiadores chilenos, a crise econômica calou os cantos da sereia do neoliberalismo e impulsionou as resistências da sociedade civil. (Salazar; Pinto, 1999). Os autores fazem uma leitura interessante do período conhecido como Periodo de las Protestas Sociales. Compara, por um lado, as leituras que ponderam os movimentos como uma reação de descontentamento e frustração diante da fragmentação social provocada pela ditadura e, por outro lado, conclui que os protestos não seriam uma reação, mas sim uma nova forma de construção da sociedade nascendo de suas bases que reivindicou projetos e identidades. Notórios nos movimentos sociais, é possível distinguir estudantes, trabalhadores, o campesinato, as comunidades de bairro dentre outras.

É importante ressaltar que mobilizações sociais sempre existiram no Chile, mesmo com todo o processo repressivo, como veremos mais adiante. Além das questões atinentes ao cerceamento e às perseguições, a economia chilena implementou o modelo neoliberal na economia, que atingiu duramente camadas mais empobrecidas, mas também setores médios.

Porém, para efeitos deste trabalho, nos concentraremos nas mobilizações de caráter nacional, de maior envergadura, convocadas especialmente pelas lideranças sindicais; tendo como marco inicial a primeira Marcha de Protesto que foi convocada em maio de 1983 por organizações sindicais decididas a mobilizar a população contra a ditadura. Diante de um cenário extremamente repressivo, os protestos irromperam nas ruas santiaguinas com quantidade de pessoas como não se via desde a época de Allende. Após dez anos de ditadura, a população queria gritar “basta”. Esses protestos perduraram até 1986.

É necessária uma pequena pausa para reflexão. As datas da crise econômica que perdurou de 1981 a 1986 coincidem com as datas das marchas de protesto, que foram convocadas por líderes sindicais reconhecidos e obtiveram resposta da população, fator que leva a crer na reafirmação do setor sindical frente ao Estado, como também crer que a população que saiu às ruas era a mais atingida pela crise econômica. Schneider (1990), em sua investigação sobre as a mobilização das classes populares durante o período ditatorial chileno, traz dados relevantes sobre os protestos. Segundo a pesquisadora, o chamado dos líderes sindicais foi importante, mas teria sido ineficaz sem as lideranças de base formadas ao longo dos anos de ditadura. Essas lideranças estariam encarnadas nos padres, nos vizinhos militantes, em pessoas que, de alguma forma, tornaram-se figuras de confiança e afiançaram os chamados dos líderes mais distantes.

Essas mesmas lideranças estiveram à frente de protestos que sempre existiram na cena chilena; a exemplo da Associação de Familiares Detidos Desaparecidos, fundada em 1974. E, após 1986, manifestações de menor envergadura continuaram a ocorrer. O grupo Mulheres pela Vida atuou convocando atos pela paz, pela liberdade, pela vida congregando grupos de todos os segmentos sociais e promovendo a campanha pelo plebiscito. Os lemas NO+ e SOMOS + criados pelo grupo de arte CADA eram utilizados em seus protestos e seguiram até a votação.

Dessa forma, a transmissão oral por uma rede solidária formada pela resistência ao longo dos anos foi de suma importância para oferecer a segurança de sair às ruas. Outra questão desmistificadora levantada por Schneider: não foi a população mais afetada pela crise econômica quem saiu às ruas, mas, isso sim, as comunidades mais organizadas politicamente. Informação relevante para compreender a repressão em comunidades como La Victoria. Assim como a perseguição e inclusive assassinato de pessoas ou membros de organismos que cumpriam justamente esse papel.  A grande massa nas ruas foi importante para desencadear o processo de abertura por meio do plebiscito realizado no ano de 1988. Nesse, a população deveria votar pela continuidade ou não de Pinochet no poder, no movimento denominado NO.

É importante destacar o acirramento da ditadura de Pinochet, fator que levou, inclusive, a uma tomada de decisão por parte do governo Ronald Reagan em retirar o apoio aberto ao Chile. Reagan, ao assumir a presidência dos EUA em 1981, retirou as sanções impostas pelo governo Carter devido às violações de direitos humanos cometidas pela ditadura chilena. Além disso, é importante destacar as atuações do Governo Chileno no processo repressivo internacional, aliando-se às ditaduras no Cone Sul, ao menos desde 1975, na denominada Operação Condor((Não será o caso de discutir aqui os casos da Operação Condor, nem sua atuação em particular; visto que uma das autoras (Silva, 2017) trata da questão como inseridas num Sistema Internacional de Repressão, que ultrapassou as fronteiras americanas e adentram outros continentes.)), que vitimou inclusive o Ministro de Allende, Orlando Letelier e sua secretária em solo estadunidense.

As sanções impostas aos violadores dos direitos humanos na área de influência americana durante a “era dos direitos humanos” não chegaram propriamente a mudar o padrão habitual. Veja, por exemplo, o caso do Chile. Um recente exame das sanções impostas por Carter depois da decisão do governo Reagan de suspendê-las chegou à conclusão de que “são de qualquer maneira escassos os indícios de que as sanções tenham tido muito efeito”. A sanção mais grave foi a proibição de financiamento do Export-Import Bank para empresas americanas que fizeram negócio com o Chile ou em seu território, anunciada pelo governo Carter em novembro de 1979, em represália pela recusa do Chile de extraditar três funcionários dos serviços de inteligência procurados por tribunais americanos por envolvimento no assassinato de Orlando Letelier e Ronni Moffit, em Washington, em 1976 (um assassinato na capital americana já é considerado ir longe demais”). “Duas semanas depois do anúncio feito por Carter, a embaixada americana em Santiago publicou seu relatório anual sobre a economia chilena, claramente tratando de estimular os investimentos americanos”. No período de suspensão dos financiamentos do Export-Import Bank, as exportações americanas aumentaram consideravelmente (em cerca de dois terços), “um nível de intensificação definido como ‘alvo intermediário’ no relatório da embaixada americana”. Simultaneamente, os bancos americanos emprestavam a instituições chilena mais de um bilhão de dólares, e grandes corporações iniciavam programas de investimentos em larga escala. É este o padrão invariavelmente, no caso dos Estados que “entendem o sistema do empreendimento privado”. » (Chomsky, 2007, p. 23)

A diferença entre os governos Carter e Reagan foi, substancialmente, que o novo presidente não pressionaria abertamente Pinochet por violações aos direitos humanos, até porque, em 1977, Pinochet, como forma de promover um novo olhar sobre o Chile substitui a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) pela Central Nacional de Informaciones (CNI) e, nos anos seguintes, se respaldou em uma ampla divulgação de arrefecimento da repressão no país. Sendo assim, o ditador interpretou a ação como respaldo vindo desde os EUA e posicionou o Chile como um baluarte contra o imperialismo soviético, inserido na tendência mundial do livre comércio e a suposta posse de uma carta branca para continuar atentando contra a vida dos cidadãos chilenos.

É importante destacar que, apesar da distinção acima apontada, a interpretação de Pinochet sobre suas relações com os Estados Unidos não diferia tanto. Havia a adoção de medidas contra o Governo Chileno, mas Chomsky (2007) demonstrou a manutenção das aplicações econômicas de empresas estadunidenses no Chile. A diferença era a abertura entre um governo e outro, o que, na prática, já existia.

Ao assumir a presidência dos EUA, em 1981, a configuração do cenário mundial antes imerso na Guerra Fria passou por uma distensão, o que proporcionava maior respaldo à investida midiática de Pinochet sobre a volta do país à normalidade. Países europeus iniciavam a retomada de suas economias e o declínio da influência americana era nítido. Cabia ao novo chefe de governo reequilibrar as forças da nação no cenário mundial.

Em sociedades de estado capitalista moderno como a nossa (EUA), o processo decisório interno é tomado pelo setor empresarial privado, tanto no terreno político quanto no estritamente econômico. (Chomsky, 2007, p. 20)

A batalha travada por Reagan foi a de dissuadir o hemisfério ocidental que havia na América Latina atividades em curso operadas através de Havana com inspiração soviética. Jamais, as lutas que ocorriam no dito continente, seriam uma tentativa de superação da pobreza ou injustiças sociais impostas ao povo salvadorenho, por exemplo. A imprensa americana não se preocupou em investigar o que ocorria no local e simplesmente tratou de repassar a versão oficial do governo a respeito de El Salvador: um regime moderado tenta promover reformas em contexto de violência esquerdista. Já o relatório de 5 janeiro de 1981 do Concil on Hemisfpheric Affairs (COHA), em Humais Righs Internet Reporter dizia o seguinte:

No ano passado, houve mais mortes violentas em El Salvador que em todos países latino-americanos juntos, em grande parte em consequência da ação dos esquadrões da morte de extrema direita tolerados pelo governo(…) O número de baixas chegou quase a 10 mil, tendo sido a grande maioria das vítimas abatidas pelo terrorismo de direita sancionado por importantes funcionários governamentais (…) Estes incontáveis assassinatos não tem sido punidos nem sequer investigados, pois as próprias forças militares e policiais do governo estão envolvidas neles. (Chomsky, 2007, p. 57)

Não bastando a corroboração da imprensa americana, uma professora da Universidade de Georgetown, à época, chefa da delegação da ONU declarou: “Considero uma terrível injustiça com o governo e com os militares quando se afirma que, de alguma forma, eles são responsáveis pelo terrorismo e assassinato”. (Chomsky, 2007, p. 57).

Não é intenção deste artigo traçar o panorama da política externa estadunidense, quanto menos tratar dos conflitos ocorridos em países vizinhos da América Latina; porém, esse brevíssimo panorama é útil para compreender o porquê dos anos 1980, no Chile, terem ficado marcados por anos de distensão da ditadura, quando na verdade a real vontade de Pinochet foi a de nunca deixar o poder.

Pinochet agora um empecilho aos EUA

Documentos revelados através da Biblioteca Reagan trazem à luz a preocupação americana com a situação de colapso da economia de mercado chilena a partir de 1982, seguida de um descontento da população cada vez maior. Em 1984, os EUA tinham sérias dúvidas se deveriam continuar apoiando a ditadura, reportando que “a política chilena havia mudado de maneira irreversível” e destacam que a atitude do povo, com respeito às políticas de livre mercado do governo, agudizou-se por causa da recessão econômica.

O ressurgimento dos sindicatos e partidos políticos propiciou a reativação da vida política chilena; os ditos “radicais” de esquerda estavam ativos ao ponto de organizar reuniões e participar de debates informais com partidos moderados, ao ponto de o Partido Comunista estender sua organização a todo o país somente sendo superado pelo Partido Democrata Cristão.

A identificação dos militares com Pinochet começou a sofrer fissuras devido às diferenças sobre como atuar ante ao dissenso político e um retorno ao programa de restauração do governo civil. Portanto, o governo americano deveria rever a política de “democracia silenciosa” estabelecida após o governo Carter, o qual dificultou as relações americanas com o Chile, devido a políticas de direitos humanos.

O documento assinala que as relações daquele país deveriam ser mantidas com o ditador “evitando atitudes que dessem a impressão de falta de suporte ao regime”((Ronald Reagan Library – M1355#4. Disponível em: http://nsarchive.gwu.edu/NSAEBB/NSAE BB413. Acessado em: 14/06/2017.)), de modo a evitar que comunistas se sentissem encorajados em seus esforços; porém, um jogo duplo é sugerido, a manutenção de relações com todos os grupos que tenham a real intenção da construção da democracia, essa seria a democracia controlada, isso por conta das intenções de Pinochet:((Kornbluh, Peter. Reagan y Pinochet: El momento en que Estados Unidos rompió con la dictadura. Disponível em Ciper Chile – Centro de Investigación Periodistica.   http://ciperchile.cl/2010/11/23/reagan-y-pinochet-el-momento-en-que-estados-unidos-rompio-con-la-dictadura/. Consultado em: 25/06/2017.)) De acordo com o documento, sugere-se:

Amplas evidências sugerem que Pinochet perdeu sua confiança na democracia como forma sustentadora para conter os comunistas e que a sua intenção era permanecer no poder o maior tempo possível.((Pinochet: There is ample evidence whiche suggests that Pinichet has lost his confidence in democracy as a susten whuch can succesfully counter the comunists, and that he intents to stay in power as long as posible. (tradução Alessandra Chelest) Ronald Reagan Library – F95-028/245. Disponível em: http://nsarchive.gwu.edu/ NSAEBB/NSAEBB413. Acessado em: 14/06/2017))

Diante desse quadro e cientes de que Pinochet não estaria disposto a deixar o poder, conselheiros de Reagan, dentre eles George Shultz, Secretário de Estado; Hanrry Barnes, Embaixador; Robert Gates, da CIA; Jacquelline Tillman, da National Secure Concil (NSC); Marvin Stone da Unated States Informacion Agence (USIA); Hugh Montgomery da Mission to the United Nations (USUN – U.S.) e Ronald Reagan, presidente, tomaram parte em uma reunião chamada Reunião do Conselho de Segurança Nacional, em 1986, onde  houve o esquadrinhamento do quadro político, econômico e social chileno destacando as preocupações com Partido Comunista e seu braço armado Frente Patriótico Manuel Rodrigues (FPMR) e suas  ligações com Cuba, Sandinistas e a União Soviética, as quais teriam proporcionado armamentos, financiamento, treinamento com a finalidade de promover “ataques terroristas” e retirar Pinochet do poder.

Tais afirmações discutidas na reunião geraram preocupação, pois Pinochet nutria interesse na polarização social do Chile. Era a intenção do ditador criar um clima de insegurança, de um suposto perigo comunista o qual mergulharia o país no caos e, portanto, a única salvação seria a sua permanência no poder. Todos esses fatores foram discutidos durante a reunião, incluindo essas intenções de Pinochet; as quais, de acordo com o grupo, somente fortaleceriam a esquerda, fato que não lhes agradava.

Havia preocupações com o modelo econômico e seu desenvolvimento. Portanto, o maior interesse era a transição para a democracia para que o mesmo continuasse saudável, apesar da crise que atravessava o país. Isso porque o modelo neoliberal ali implantado, seguindo as diretrizes da escola de Chicago, somente teria forças para continuar no interior de uma democracia; porém, sem a influência comunista.

A busca de líderes de centro direita, como também de aliados no interior das forças armadas e, principalmente, o interesse na manutenção da integridade do plebiscito, foi assim considerada prioritária. O pano de fundo da reunião foi a nítida retirada de apoio do Congresso americano devido à violência implantada por Pinochet no Chile, fato que colocava em risco a aprovação de créditos vitais para a economia chilena.

Em reportagem de 9 setembro de 1986, o jornal El Pais((Délano, Manuel. Centenares de detenidos en Santiago, em una jornada de allamientos massivos ordenados por el Gobierno militar. El Pais. Disponível em: www.elpais.com. Última consulta 15/05/2017. )) relatou o estado crítico em que se encontrava o Chile após o atentado sofrido por Pinochet, ocorrência que lhe proporcionou instaurar o estado de sitio.

O formato de organização de tal atuação seguiu a mesma lógica da Guerra Contrarrevolucionária, atacando exatamente as regiões em que se acreditava serem mais “perigosas” para a manutenção da ditadura. Na lógica doutrinária, as divisões territoriais eram fundamentais.

Toda la guerra estuvo basada en la división territorial en zonas, subzonas, sectores, algo que fue muy beneficioso por los resultados, pero muy problemático para la dirección de la guerra. Finalmente, esto dispersaba los niveles de responsabilidad, porque cada uno se sentía propietario de un pedazo de territorio, como en la época feudal: esto es tuyo, esto es mío… Esto hace mucho más difícil el control por la jerarquía de la lucha contra la subversión… (Robin ao entrevistar Servent, 2014, p. 316)

Retomando o modelo de implementação, a reportagem relatou as invasões em cinco bairros operários cercados por forças do exército, comparou a operação, tamanho o controle e repressão ao início da ditadura, colocou em destaque a ameaça à imprensa((O golpe teve um efeito diaspórico na intelectualidade formando pequenas comunidades solidárias em diversos países como Portugal, Suécia, França e México. A imprensa de oposição no Chile teve apoio não somente de sindicatos Italianos como também do Partido Comunista e Socialista e assim como de vários outros países.  A este respeito ver: Liñero, Germán. Apuntes para una historia del video en Chile. Ocho Libros, 2010.)). As revistas Apsi, Fortin Mapocho, Hoy, Cauce,  e Analisis, partícipes da imprensa independente foram cercadas ou invadidas pelas forças do Estado e seus exemplares foram confiscados para que não houvesse repercussão sobre as invasões. A direção de comunicação do governo convocou todos os meios de comunicação solicitando discrição no trato das notícias. A imprensa encontrava-se totalmente censurada e ameaçada. Por fim, as duas preocupações destacadas na reunião também surgiram na notícia:

El atentado, aunque fallido, mosteo también la profunda debilidad del régimen: después de 13 años de un fervoroso anticomunismo, hay un movimiento guerrillero armado con más poder del que nunca tuvo algún grupo en el país. (…) Las nuevas formas de represión que permite el estado de sitio son una arma de dos filos para el régimen. En octubre debe votar el Congreso de Estados Unidos su aprobación a concesión en organismos multilaterales de créditos vitales para la economía chilena por cerca de 600 millones de dólares. El resultado de la votación dependerá, según han afirmado reiteradamente medios oficiales norteamericanos, del comportamiento del Gobierno en materia de derechos humanos. (Délano, 1986)

Além disso, as mobilizações populares visibilizadas através das marchas da fome, dos protestos convocados por uma gama diversa de organizações, como os sindicados e partidos políticos que iniciavam sua recomposição e apoiados por agrupações sociais de bairro, religiosas, feministas, de direitos humanos faziam transparecer certo grau de liberdade.

Sob a aprovação do governo americano, a ditadura chilena transpareceu um aparente relaxamento dos órgãos repressores naquele país. No entanto, a realidade foi muito diferente. Pinochet não nutria nenhuma intenção em deixar o poder e, para tanto, lançou mão de todos os artifícios repressores utilizados desde o início da ditadura. Não obstante, vale destacar um documento de outubro de 1988, vindo do departamento de inteligência estadunidense, sob o nome:

CHILE: Plano de Governabilidade Contigente. Funcionários de alto escalão do governo relataram elaborar planos de contingência para sabotar o plebiscito em outubro e anular o processo eleitoral se o governo perceber que pode perder o referendo.((CHILE: Governement Contigence Plains. High-ranking governement officials have reportedty drawn up contingency plans to sabotage the plebicite on october and to nulify the electoral process if the governement is perceived as losing the referendum. (tradução da autora) DEFENCE INTELIGENCE SUMMARY. Documento nº. 277-2B EDT 3 OCT 88. Disponível em Nash arquives. http://nsarchive.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB413. Última consulta: 21/06/2017.))

O Teatro de Guerra

Após o início dos protestos, nos anos 1980, o Departamento Jurídico da Vicaria de La Solidariedad demonstrou, através de seus relatórios, o aumento da repressão, a continuidade da prática da tortura((Estatísticas disponíveis em: Arzobispado de Santiago, Vicaría de la Solidaridad, Departamento Jurídico. Informe Mensual, noviembre 1984, IV parte pg 153-170 Disponível em: http://www.vicariadelasolidaridad.cl/sites/default/files/VS0001553.pdf)), o desaparecimento de pessoas e a perseguição de lideranças.

Com ocasión de las protestas generalizadas del año 83 en delante, el régimen se ve desbordado en su capacidad de reprimir con los métodos que venia utilizando, y vuelve nuevamente, tanto en el plano institucional, como en los hechos a reedidar la formas más graves de la represión.(…) Esto significó la puesta en marcha, nuevamente, de una política masiva y criminal para detener la población que protestaba, hacer uso de contingentes militares para difundir el temor (…) llegar hasta la dictación del estado de sitio cuando la situación se tornaba insuperable para el régimen. (Grossi,1986, p.3)

Os informes relatam as diversas formas de violência, disparos com armas letais a civis, cercos a comunidades, destruição de residências, abandono de detentos nus em ruas de Santiago, bombardeios com gás lacrimogênio, agressão com golpes a civis indefesos, inclusive dentro dos ônibus, depois de já estarem presos para averiguação, como também no interior das unidades policiais. Denunciam também a prática de tortura pela CNI em cárceres clandestinos como ação comum. Ainda há o relato da operação conjunta de carabineros, CNI e forças do exército, evidenciando que as prisões secretas da CNI seguiam em pleno vigor com a omissão do poder judiciário.

Os relatórios da Vicaria de La Solidariedad corroboram com as imagens a serem analisadas((As imagens que seguem são frames de gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980. Elas foram disponibilizadas às pesquisadoras pelo próprio autor.  Encontram-se discriminadas na filmografia.)); pois, as mesmas são a delação da brutalidade policial ao cidadão que sai às ruas denunciando a prática da violência do Estado indiscriminada nas periferias, nas ruas centrais de Santiago, na calada da noite, na saída do metrô; essas deixam notória a tentativa da práxis de amedrontamento da população através de atentados, assassinatos de lideranças como padres, jornalistas e membros de partidos, como Partido Comunista e ataques diretos a entidades de proteção aos direitos humanos como a Vicaria, tal qual se verifica nos ditames da Doutrina de Guerra Contrarrevolucionária.

Em 1984, durante uma mobilização para chamada para mais um protesto, formada por lideranças estudantis, politicas, sindicais e de organizações sociais contra a ditadura na Praça de Armas, onde se localizava a Vicaria, foi possível perceber a brutalidade da repressão aos manifestantes.

Enquanto cantavam a canção nacional de mãos dadas e clamavam por justiça e liberdade convocando para próxima greve geral, um grupo de carabineiros se aproximava e avançava com tamanha violência sobre as pessoas desferindo golpes com cassetetes feitos de madeira que um dos integrantes teve um dos olhos mutilado.

A ferocidade do ataque sobre os manifestantes chegou a assustar alguns profissionais da imprensa ali presentes que, ao invés de registrar o que ocorria, passaram a tentar defender e auxiliar as pessoas feridas, o que não era comum, pois tinham consciência de seu papel crucial em registrar aqueles momentos.

Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas
Fig. 1. Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980

Durante os protestos, as imagens não deixavam dúvidas quanto ao teatro de guerra armado para amedrontar a população. Tanto os documentos escritos pela Vicaria, quanto as imagens analisadas ao longo deste trabalho demonstram com clareza a ação desempenhada pelo Estado: a implantação do medo, do terror.

As imagens a seguir retrataram militares junto a um blindado ao lado de uma praça de onde uma criança, enquanto brinca junto à outra, observava a movimentação.  Outro frame deixou bem claro a população com os braços levantados enquanto a sua frente estava posicionado um efetivo militar e de carabineiros. Logo em seguida, o cinegrafista Pablo Salas capturou um caminhão do exército efetuando uma espécie de ronda pela cidade.  Nesta sequência, é notório um aparato desproporcional, com a finalidade do amedrontamento, e que relembra, em muitos momentos combates de guerras convencionais, e não a que tratamos aqui. Todavia, uma análise meticulosa faz perceber que em determinados momentos era necessário também utilizar-se desse tipo de dispositivo por parte da ditadura, uma vez que seu intuito era demonstrar a força também publicamente quando necessário, não implicando que atuasse também sob outro formato costumeiramente.

Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas - 2
Fig. 2. Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980

Já na próxima sequência, observam-se soldados do exército, com rostos pintados de preto, fortemente armados, movimentando-se de forma como se estivessem em um campo de batalha prontos para guerra contra o inimigo, utilizando-se da arquitetura da cidade e seu paisagismo, assim como se estivessem em uma floresta, esgueirando-se para fazer a tocaia ao alvo. Tal prática, comum em campos de batalhas e em batalhas em regiões que haja selvas, que são necessárias as camuflagens, não combinam em nada com uma atuação nas cidades, que longe de passarem despercebidos – motivo da camuflagem –, faz-lhes bastante destacados, demonstrando o imperativo do medo.

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Para demonstrar a movimentação do efetivo, o bloqueio da rua, lançamos mão das imagens que demonstram o impedimento da passagem de pedestres e carros, militares de tocaia entre arbustos que, na sequência das imagens, correm de forma sorrateira para se esconder do inimigo.

Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas - 4
Fig. 4 Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980

É importante lembrar que, além do pessoal das forças armadas e policiais propriamente ditas, havia ainda os infiltrados, sejam eles pagos pelos órgãos estatais, sejam os meros delatores; que comumente ficaram reconhecidos no Cone Sul por alcunhas distintas, mas evidenciam a prática de cooptação do Estado de civis, ganhando “corações e mentes” para suas ações. De alguma forma, havia parcelas da população que coadunavam com as políticas implementadas pelo Estado, seja pelo temor do “comunismo”, pelos princípios da “moral e bons costumes”. Elas se mantiveram presentes no Chile até que se tornou insustentável a manutenção do Governo Pinochet.

Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas - 5
Fig. 5. Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980

Obviamente, as sequências acima são as intimidatórias de grande alcance. As que vão para as ruas impedir os protestos públicos que começavam a ter maior relevância. A seguir, utilizamos as imagens que demonstram a atuação sob a lógica da DGCR.

Contra quem e para que um efetivo de tal magnitude? Se é notório através das imagens que o exército não se encontrava em um campo de batalha contra outro exército ou enfrentava algum tipo de guerrilha armada, o que realmente se abstrai de todas as imagens é um enorme efetivo de carros blindados, caminhões, helicópteros, carros equipados para contenção de manifestações através de jatos de água e gás lacrimogêneo; mas, novamente, contra quem? Uma população desarmada. Chega-se a conclusão de que se todo esse aparato de guerra fosse colocado em uso haveria um massacre; porém, o mesmo não foi utilizado efetivamente, ou seja, a população sofreu com o efetivo de contenção e não com o efetivo de guerra. Mas esse estava presente e causava efeitos; demonstrava poder, a força disseminava o medo, preenchia o espaço que deveria ser público e livre com o poder do Estado. Portanto, inibia qualquer tipo de liberdade expressão através do amedrontamento.

Nota-se pelas imagens que o uso dos efetivos, comumente encontrado nas imagens que tratam sobre o processo ditatorial que se abateu sobre o Chile e demais países no Cone Sul, seguiam a lógica necessária para o terror, mas também para o aprisionamento e assassinato quando necessário. Seguindo a lógica da DGCR, Trinquier ([1963?], p. 24) explicita que:

Nuestro ejército en Argelia pasa de los 300.000 hombres, equipados con los más modernos armamentos. Nuestro adversario no tiene más de 30.000, equipados por lo general con armas casi en desuso. Si tuviéramos oportunidad de enfrentarnos a este enemigo en el campo tradicional de batalla, un sueño que todavía controla la mente de algunos generales, la victoria se obtendría en cuestión de horas. Pero el problema es mucho más complejo. Por eso la lucha tiene ya más de seis años, sin que se vislumbre todavía la posibilidad de la victoria.

Ou seja, os contingentes eram bastante grandes também no Chile. E seguiam a lógica do amedrontamento como se vê nas imagens. Além da intimidação pelo arsenal de guerra público, como demonstração de força por parte do Estado, também se verificou o introjetar desse modo no cotidiano das populações, quando ocorriam as verificações dentro das casas, especialmente nas comunidades mais pobres, os desaparecimentos forçados, a suspeição constante e a delação como prática.

Ainda, para o mesmo autor,

En este caso tenemos que crear la pirámide de nuestra organización desde abajo, apoyándonos en la policía para que pueda mantener el orden en todo momento. Escuadrones de gendarmes, miembros de las fuerzas motorizadas, acostumbrados al diario contacto con el pueblo, serían los encargados de esta delicada misión. (Trinquier, [1963?], p. 46)

Para além da repressão e amedrontamento da população, ficou clara a perseguição dos profissionais da imprensa independente presentes, como se nota no próximo conjunto de imagens. Eles não eram poupados e também foram acossados, apanhavam, tiveram seu material apreendido e foram ameaçados.((A respeito da perseguição, assassinato de profissionais da imprensa, ver: Carmona, Ernesto. Morir es la Noticia. Santiago de Chile: Ernesto Carmona Ediciones, 1997. Um levantamento bem elaborado sobre o assunto cobrindo a América Latina em períodos sob ditadura e democráticos, vide: Nosty,Bernardo Díaz. Medio siglo de atentados contra periodistas. Contratexto, nº. 24, pp. 171-201. Universidad de Lima, 2016. Disponível em: https://www.infoamerica.org/icr/n10/nosty.pdf. Acessado em: 10/05/2016)) Dois casos emblemáticos são de Rodrigo Rojas e Pepe Carrasco.

Rodrigo Rojas era um jovem fotógrafo chileno que vivia no Canadá e resolveu voltar ao Chile março em 1986 para registrar a história de seu de país; em julho do mesmo ano foi queimado vivo. Na época, em meio à ditadura, quando quase ninguém se atrevia a dar um contraponto às notícias oficiais, o Teleanálisis escancarou as imagens da realidade chilena e das violações de direitos humanos. Por isso, o diretor da revista, José Carrasco Tapia conhecido como Pepe Carrasco, pagou com a vida o que o grupo defendia como “imperativo moral de deixar registro”.

Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas - 6
Fig. 6. Gravações efetuadas pelo cinegrafista independente Pablo Salas, capturadas durante as primeiras manifestações dos anos 1980.

É importante salientar que, desde os primeiros dias do golpe de Estado, houve pessoas nas ruas protestando, procurando por seus parentes presos. Há inúmeros registros, essas pessoas eram as mães, as irmãs, as filhas de desaparecidos. Elas foram as precursoras dos movimentos que tomaram força e saíram as ruas nos anos 1980.

Conclusão

Para compreender a lógica do modus operandi é possível fazer uma comparação entre o golpe de Estado e o Período da Protestas, que foram momentos de crise e nos quais as garras do terror estiveram mais à mostra.

O golpe aconteceu em um momento em que o Chile vivenciava os anos da Unidad Popular, um país engajado na luta de classes e que possuía quase metade de sua população, se não mais, envolvida em alguma atividade política, de fábrica, nas comunidades e era simpática às propostas de esquerda.

Portanto, não era possível, ao impetrar o golpe, eliminar metade da população do um país; daí as prisões em massa, a transformação dos Estádios de Futebol em campos de prisioneiros, os centros de tortura. Contudo, não foram todas as pessoas presas e as que foram presas não foram todas mortas. Existiam listas. As pessoas assassinadas, de certa forma, encarnavam símbolos para as suas comunidades e, portanto, serviram de lição. As pessoas soltas após maus tratos e torturas também serviram de lição. Elas disseminaram o medo. Espaços simbólicos como sedes de partidos, sindicatos, centros culturais e universidades foram tomados pelo serviço de inteligência e transformados em centro de tortura. Corpos de militantes assassinados eram deixados em locais de tradicional expressão popular. A partir desse momento, não era necessário eliminar quase metade da população, o terror faria seu papel junto ao órgão de inteligência que continuaria mantendo o manto do medo lançado sobre o país. Portanto, o Terror era, ao mesmo tempo, um mecanismo de silenciamento e de perseguição.

En la guerra moderna el enemigo no es tan fácil de identificar. No hay frontera física que separe los dos campos. La línea que marca la diferencia entre el amigo y el enemigo puede encontrarse muchas veces en el corazón de la nación, en la misma ciudad donde se reside, en el mismo círculo de amigos donde uno se mueve, quizás dentro de su propia familia. Es más bien una línea ideológica, que tiene que ser perfectamente bien descubierta si queremos determinar pronto quiénes son en realidad nuestros adversarios y a quiénes tenemos que derrotar. (Trinquier [1963?], p. 4)

É possível observar que, desde o golpe de Estado, continuaram existindo listas de perseguidos políticos, prisões, exílios, tortura, ameaças de morte e locais específicos para tortura. O Chile possui uma historiografia bastante recente sobre o assunto e também grande parte da bibliografia foi elaborada por jornalistas investigativos, além do que muitos arquivos ainda se encontram fechados ou sendo abertos; portanto, de acordo com os indícios levantados, há a certeza de que um maior aprofundamento nesse assunto é necessário.

As imagens analisadas no período em foco demonstram a continuidade da repressão, que não cessou logo após o Golpe. Mantiveram-se como tônica no Estado e a concepção de inimigo e suas variantes estavam presentes no cotidiano, perpetuando o medo. É no interior desse universo produtivo que as imagens de Pablo Salas que compõe o corpus analítico deste artigo emergem, retratando, como um de seus componentes a continuidade da repressão no pós 1980, nos mesmos moldes do período anterior, implantado naquele país, desde o início da ditadura. Afora serem imagens de denúncia, entram para a história como um documento importante e pertinente a ser analisado, além, é claro, de outros cinegrafistas e fotógrafos que atuaram no mesmo período e constituíram um rico material.

Portanto, ao debruçar as pesquisas sobre o período concernente à operação da CNI e DINA, as imagens demonstraram, a priori, o mesmo modus operandi dos dois órgãos. De acordo com o já explanado, tudo indica que não houve uma fase mais feroz da ditadura e uma fase mais branda.

Tais imagens destacam os momentos em que a população já não suportava mais viver sob o terror e a miséria causada pela crise econômica; fatores conjuntos que levaram às manifestações dos 1980, os mesmos artifícios, a mesma violência, os campos de futebol, as listas intermináveis com a finalidade de manter o terror tiveram continuidade.  Pois, de acordo com os relatórios citados nos relatórios da Vicaria de La Soliedariedad, houve um aumento de vítimas da perseguição do Estado no início das chamadas Protestas, o que, por si só, comprova que o aparato persecutório nunca deixou de funcionar e manteve seu modus operandi.

O silêncio dos meios de comunicação que via de regra se encontram estabelecidos no interior das disputas pela hegemonia cultural e política e operam de forma intima com as elites e grandes corporações, parece ter sido rompido por cinegrafistas independentes que fizeram cobertura dos acontecimentos desde os primeiros dias do golpe de Estado, assim como contribuíram para a sua divulgação à revelia da censura e do que era propagandeado pelas fontes governamentais.

As cenas registradas por Salas acabaram por constituir um registro iconográfico dos mais contundentes de que, naqueles anos de 1980 chilenos, a violência contra as pessoas que, através de suas organizações ou não, denunciavam a continuidade dos crimes de lesa-humanidade.

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Documentos Citados

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Ronald Reagan Library. CHILE: Governement Contigence Plains. Documento M1355#4. Disponível em:  http://nsarchive.gwu.edu/NSAEBB/NSAE BB413. Acessado em: 14/06/2017.

Sites Consultados:

The National Security Archive – http://nsarchive.gwu.edu

Museo de la memomoria y los derechos humanos. – https://web.museodelamemoria.cl

Casos Vicaria – http://www.casosvicaria.cl/

Ciper Chile – www.ciperchile.cl

Pablo Salas – acervo próprio da pesquisadora doado pelo cinegrafista

1º de Maio de – Vídeo sem edição – Pablo Salas – Chile, 1986. Duração: 5 min.

Cerco a La Vitória – Vídeo sem edição – Pablo Salas – Chile, 1984. Duração: 7 min.

Vídeo sem edição – Pablo Salas – Chile, 1986. Duração: 3 min.

Hasta Vencer. Direção Pablo Salas. Chile, 1984. Duração: 30 min.

Homens de La Vitoria – Vídeo sem edição – Pablo Salas – Chile, 1986. Duração: 19min.

Manifestação Praça de Armas – Vídeo sem edição – Pablo Salas – Chile, 1986. Duração: 7 min.

No Podemos nos Calar. Direção Pablo Salas. Chile, 1985. Duração: 33 min.

Por la Vida. Direção Pablo Salas. Chile,1987. Duração: 27 min.

Somos Mas. Direção Pablo Salas. Chile, 1985. Duração: 15 min.

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