DescargaJoanna Yip
City University of New York, New York, United States.
joanna.e.yip@gmail.com

Ofelia García
City University of New York, New York, United States.
ogarcia@gc.cuny.edu

Recibido: 25/09/2017 – Aceptado: 13/11/2017

 

Resumo: Na primavera de 2015, um grupo de estudantes de doutorado no CUNY Graduate Center reaizaram um curso sobre o multilinguismo e ficaram envolvidos com as ideias sobre translinguagens e o que poderia significar trabalhar pensando em um mundo no qual várias línguas sejam valorizadas, especialmente para propósitos educacionais. Os estudantes então desafiaram seus entendimentos atuais sobre linguagens, e de como a linguagem é usada (e não usada) na educação, buscando maneiras de trazer a teoria acadêmica para aplicações concretas. Como resultado dessas conversas, os alunos escreveram uma série de recomendações práticas destinadas a uma audiência de profissionais com o objetivo de mostrar como a teoria e os conceitos por trás das translinguagens poderiam ser aplicados em termos concretos nas escolas para promover maiores diversidades linguísticas.

Palavras-chave: Transliguagens; bilinguismo; educação.

 

Abstract: In the spring of 2015 a group of doctoral students at the CUNY Graduate Center reacted to a course on multilingualism and became involved with ideas about translinguaging and what it could mean to work on a world in which several languages are valued, especially for educational purposes. Students then challenged their current understanding of languages, and how language is used (and not used) in education, seeking ways to bring academic theory into concrete applications. As a result of these conversations, students wrote a series of practical recommendations for a professional audience to show how the theory and concepts behind translinguals could be applied in concrete terms in schools to promote greater linguistic diversity.

Keywords: Transliguaging; Education; Bilinguism.

 

Introdução((Nota da Tradução: Este material é uma tradução para o português do original em inglês publicado no periódico «Theory, Research, and Action in Urban Education» (TRAUE), volume IV, número 1, em 2015 e intitulado «Translanguaging: Practice Briefs for Educators«. O texto original está disponível e acessível online: https://traue.commons.gc.cuny.edu/volume-iv-issue-1-fall-2015/translanguaging-practice-briefs-for-educators/. A tradução foi realizada por Jefferson Virgílio e contou com a autorização e consulta prévias junto às autoras.))

Na primavera de 2015, um grupo de estudantes de doutorado no CUNY Graduate Center((N. T. Pode ser traduzido como Centro de Estudos Pós-Graduados da Universidade da Cidade de Nova Iorque.)) passaram um semestre no curso de Ofelia Garcia sobre o multilinguismo e ficaram envolvidos com as ideias sobre translinguagens((N. T. Refletiu-se durante alguns meses sobre traduzir ou não o termo translanguaging para uma versão aportuguesada. Distante de quaisquer tentativas de purismos linguísticos, apelos à alguma lusofonia, ou mesmo de formação de neologismos, optou-se pela utilização do termo translinguagens visando maior padronização estética e principalmente maior acessibilidade. Neste sentido outros termos também podem ser traduzidos para versões aportuguesas. Notas pontuais são incluídas para identificar os casos necessários. Optou-se ainda pela pluralização do termo. Vários outros termos no decorrer do texto também foram intencionalmente pluralizados.)) e o que poderia significar trabalhar pensando em um mundo no qual várias línguas sejam valorizadas, especialmente para propósitos educacionais. Os estudantes de pós-graduação desafiaram seus entendimentos atuais sobre linguagens, e de como a linguagem é usada (e não usada) na educação, buscando maneiras de trazer a teoria acadêmica para aplicações concretas. Eles reconheceram que muito trabalho tinha que ser feito na formação de professores e que a teoria deveria ser convertida em conhecimento utilizável para fornecer aos profissionais orientações mais concretas sobre como incorporar uma variedade de práticas linguísticas no ensino em sala de aula.

Como resultado dessas conversas, os alunos escreveram uma série de recomendações práticas destinadas a uma audiência de profissionais com o objetivo de mostrar como a teoria e os conceitos por trás das translinguagens poderiam ser aplicados em termos concretos nas escolas para promover maiores diversidades linguísticas. Enquanto os artigos escritos fornecem análises empíricas ou teóricas que possuem implicações políticas e práticas, essas recomendações são direcionadas aqueles que podem utilizar as práticas fornecidas com as translinguagens em seus contextos imediatos, no caso, nas salas de aula((N. T. A proposta de traduzir o texto para o português é direcionada especialmente para os docentes indígenas brasileiros, que são capazes de ler e escrever em português e que possuem contato com educação identificada como bilíngue, ou multilíngue, em uma diversidade de cenários onde lecionam. O conhecimento pleno de idioma inglês entre estes docentes é bastante raro e compreende-se que a disponibilização do texto em língua portuguesa pode ser uma mais valia à educação indígena brasileira. Não se descarta uma tradução para o espanhol em um futuro próximo visando atingir docentes indígenas nos demais países da América Latina.)).

Para fornecer contextos para essas recomendações, nós começamos por delinear os desafios enfrentados pelas crianças falantes de minorias linguísticas em contextos educacionais. Nós fornecemos uma introdução às translinguagens e por que é essencial que as salas de aula ofereçam suporte para crianças que estão aprendendo e utilizando vários idiomas((N. T. O termo «idioma» é utilizado como sinônimo ao termo «língua» nesta tradução durante todo o material.)). Em seguida, descrevemos os desafios na aprendizagem profissional e como as recomendações podem facilitar a compreensão dos profissionais de como criar ambientes de aprendizagem multilíngues para crianças falantes de línguas minoritárias.

Minorias linguísticas em contextos educacionais

Crianças falantes de minorias linguísticas em todo o mundo estão sendo excluídas de uma educação plena. Quanto mais e mais crianças são deslocadas como consequências de violências e de desigualdades sociais((N. T. No texto original são utilizados os termos «guerra» e «pobreza», pois o conhecimento das autoras remete especialmente às vítimas de conflitos internacionais que acabam sendo deslocados para outros países ou territórios. Optou-se pelo termo «violência» e «desigualdade social» para tornar o exemplo menos restritivo e mais abrangente. No mesmo parágrafo o termo «raciais» é substituído pelo termo «étnicas» por similares razões.)), mais e mais crescem as diversidades étnicas e linguísticas nas escolas. Ao invés de abraçar esse incremento na diversidade, os sistemas escolares em todo o mundo reagiram aprovando medidas que efetivamente impedem os estudantes etnicamente e linguisticamente diversos de uma educação plena, garantindo o acesso à educação majoritariamente para as crianças do grupo dominante. Embora tanto questões étnicas como idiomáticas estejam imbricadas nestas formas de exclusão, as escolas desempenham um papel crucial na marginalização de estudantes porque o processo de educação é profundamente linguístico. Nas escolas, a língua muitas vezes funciona como o instrumento de exclusão mais importante, literalmente castigando e punindo as crianças por falar (e escrever) a língua «errada» ou por usar características de linguagem também consideradas «erradas».

Enquanto o discurso aberto das autoridades educacionais é sobre a melhor maneira de educar as «crianças que aprendem em uma segunda língua», eles também estão ocupados aprovando medidas que restringem o acesso dessas crianças racio-linguisticamente diversificadas (Flores & Rosa, 2015) a melhores escolas e ao ensino superior((N. T. O caso do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e dos vestibulares realizados em língua portuguesa são sintomáticos das exclusões institucionalizadas de populações falantes de minorias linguísticas no Brasil. No acesso a pós-graduação a situação se acumula com a necessidade de conhecimento de pelo menos uma língua estrangeira que, curiosamente, não pode ser validada por eventuais línguas indígenas conhecidas pelo candidato.)). É sempre a linguagem, sob a forma de testes padronizados e outros meios cumulativos de avaliação, que atua como mecanismo de triagem e seleção para determinar quem pode e quem não pode acessar melhores programas educacionais.

Nos Estados Unidos, o movimento em direção a uma maior responsabilização adotada no programa «No Child Left Behind (2001)»((N. T. Em tradução literal «Nenhuma criança deixada para trás», também conhecido como NCLB. É um programa que literalmente estimulava a aprovação massiva de estudantes sob pretextos de inclusão e de melhorias nos indicadores educacionais. Via de regra, visava unicamente manipular estatísticas nacionais de «anos de frequência escolar» e de notas. O Brasil adotou, em 2007, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que é uma versão «adaptada» do programa dos Estados Unidos ao cenário brasileiro. Para maiores informações sobre o NCLB, consultar (em inglês): http://www.k12.wa.us/esea/NCLB.aspx. E para maiores informações sobre o IDEB, consultar: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/programas-e-acoes?id=180.)) e os testes que acompanharam a adoção da «Common Core State Standard«((N. T. Em tradução aproximada «Padrões comuns para a educação básica estadual», também conhecido como CCSS, programa de 2010, que promove padrões de conteúdo ao final de cada ano escolar. Assim como o IDEB que foi influenciado pelo NCLB, não é difícil perceber as semelhanças entre o CCSS e a atual BNCC (Base Nacional Curricular Comum) no Brasil. Para maiores informações sobre o CCSS, consultar (em inglês): http://www.corestandards.org. E para maiores informações sobre a BNCC, consultar: http://basenacionalcomum.mec.gov.br)) devem ser vistos em relação à negligência e ao desaparecimento do bilinguismo em suas escolas. Enquanto os alunos das salas de aula dos Estados Unidos hoje são multilíngues, o monolínguismo em inglês é valorizado e os estudantes racio-linguisticamente diversos são direcionados a agir em ambiente de aprendizado como se fossem monolíngues. Este processo promove alienação, auto-depreciação e insegurança entre estudantes bilíngues((N. T. Durante todo o texto há menção para o termo bilíngue. Com as devidas adaptações é compreendido que as percepções tecidas podem ser elevadas para as questões multilíngue que ocorrem com algumas populações.)). Os resultados são substanciais diferenças nos resultados das avaliações educacionais entre estudantes bilíngues e monolíngues.

É neste substrato do contexto educacional (Valenzuela, 1999) onde estão os estudantes falantes de línguas minoritárias que a teoria por trás das translinguagens tem ocupado espaço para interromper «a visão de cima» que é construída sobre as capacidades e performances linguísticas dos alunos bilíngues. Os desempenhos linguísticos das crianças bilíngues são geralmente descritos pelas autoridades escolares a partir do que é visto como uma perspectiva superior, de uma perspectiva monolíngue dominante externa, que os vê possuir dois sistemas de linguagem completamente separados. Pode se dizer que para as autoridades escolares, as crianças bilíngues têm duas línguas contidas em duas estruturas separadas e, na maioria das vezes, esses recipientes são considerados praticamente vazios ou incompletos. Crianças cujo recipiente «inglês» não é considerado cheio são designados como «proficiência limitada em inglês» ou «aprendizes de língua inglesa». Raramente as escolas olham para o outro suposto recipiente para ver o que está lá. Esta perspectiva externa vê crianças bilíngues simplesmente como dois monolíngues em um (Grosjean, 1982; Heller, 1999)((N. T. Sem grande dificuldade praticamente todas as menções à língua inglesa em contextos educacionais nos Estados Unidos podem ser substituídas pela língua portuguesa em contextos educacionais no Brasil. Há alguns agravantes que são construídos apenas contra as populações indígenas enquanto intolerâncias étnicas específicas.)).

As translinguagens perturbam essa visão de cima, propondo que olhemos os desempenhos linguísticos das crianças bilíngues a partir de sua própria perspectiva interna, do uso da linguagem da criança. Nesta perspectiva, as crianças bilíngues não têm simplesmente dois recipientes externos com dois idiomas nomeados que as escolas podem preencher ou esgotar. Em vez disso, as crianças bilíngues são reconhecidas como tendo um repertório linguístico maior, um sistema de linguagem, com características de linguagem que interagem entre si para impulsionar os desempenhos linguístico e cognitivo.

O que são as translinguagens?

Translinguagens referem-se aos pontos de vista internos que permitem ver os desempenhos linguísticos de crianças bilíngues, não simplesmente como sendo conhecidos em línguas – inglês, espanhol, chinês, português((N. T. Foi intencionalmente incluído o idioma português, que não era presente no texto original.)), etc. -, mas como alavancando seu repertório linguístico completo (García, 2009; García & Li Wei, 2014). Descrevendo as translinguagens a partir de uma perspectiva da ciência da linguística, Otheguy, García e Reid (2015, p. 283) ofereceram a seguinte definição de translinguagens: «a implantação do repertório linguístico completo de um falante sem consideração pela adesão vigilante aos limites definidos social e politicamente (e geralmente nacional ou estadual)». Considerar a teoria das translinguagens na educação refere-se a alavancar a compreensão do repertório linguístico completo dos estudantes, ao mesmo tempo em que ensina aos alunos a suprimir certos recursos quando solicitado a executar abertamente de acordo com as normas de um idioma nomeado, seja esse idioma como o inglês ou um idioma diferente do inglês.

É importante não confundir as translinguagens com a simples intercalação entre as línguas mencionadas, o que os linguistas chamariam de alternâncias de códigos linguísticos. As alternâncias de códigos linguísticos referem-se às alternâncias de idiomas nomeados, a definição externa de quais idiomas são dados por estados políticos e sistemas escolares. As translinguagens referem-se às perspectivas internas do que os falantes fazem com a linguagem que é simplesmente sua. Por exemplo, quando Ofelia fala em casa, fala sobre os netos, la comida, o genro, la hija, dormirse, tomar café da manhã, etc(( Para Ofelia, estas não são simplesmente palavras do espanhol e palavras do português. São suas palavras, seu repertório para fazer sentido. Claro, Ofelia sabe quando usar as palavras para falar com pessoas diferentes. Ao falar com o genro dela, ela usa palavras que alguns chamariam de português. Ao falar com a mãe do marido, sua suegra, ela usa palavras que alguns chamariam de espanhol. Mas quando ela fala em sua casa bilíngue, ela usa seu repertório completo porque ninguém está monitorando ou hierarquizando suas práticas de linguagem. Ela simplesmente usa todas as características que ela possui à sua disposição. Este é um padrão comum de uso de linguagem em todas as comunidades bilíngues.)).

As escolas, no entanto, nunca reconhecem as maneiras pelas quais os falantes bilíngues usam a linguagem e, portanto, constantemente deslegitimam práticas bilíngues, como se fossem corrompidas. Avisos e anúncios importante são divulgados apenas em um idioma em muitas escolas. Mesmo as salas de aula de educação bilíngue estão cheias de regras sobre quando falar em um idioma ou no outro. Por exemplo, «aquí no se habla inglés«((N. T. Em tradução literal do espanhol: «Aqui não se fala em inglês». Posteriormente, no mesmo parágrafo: «Assim não se fala». Sobre o espanhol enquanto «língua minoritária» é uma realidade visível no contexto específico dos Estados Unidos. Em outros locais, o espanhol pode ser encontrado como «língua dominante».)) é frequentemente ouvido em salas de aula bilíngues espanhol-inglês que querem proteger o que é considerado uma língua minoritária, o espanhol. Alienando ainda mais os estudantes bilíngues sobre a sua própria voz bilíngue, muitas dessas mesmas salas de aula bilíngues estão cheias de regras «así no se dice«, dizendo a crianças bilíngues que a maneira como eles falam é «incorreta».

De fato, devem ser construídos espaços onde crianças bilíngues tenham oportunidades de se comunicar em um idioma ou em outro. Mas os educadores devem sempre ter em mente dois fatores, mesmo quando pedem aos alunos que usem apenas algumas das características do seu repertório linguístico: 1) a presença ativa do repertório semiótico completo da criança na aprendizagem, 2) a injustiça de avaliar os alunos usando menos da metade de seu repertório linguístico. O primeiro fator tem implicações para o ensino, o segundo para avaliação.

Translinguagens no ensino

Quando as crianças falantes de línguas minoritárias são estimuladas para se expor em um idioma ou em outro, elas ainda estão desenvolvendo internamente o seu repertório linguístico completo. Ou seja, sendo alunos bilíngues acabam por reprimir parte de suas capacidades linguísticas, e outras capacidades de seu repertório é que são sempre ativadas. Assim, os educadores devem compreender o repertório linguístico completo dos alunos como um recurso adicional para aprender, e não como um problema a ser resolvido.

Mesmo em salas de aula de cursos de inglês, os professores que reconheçam a força da fluidez das práticas de linguagem de crianças bilíngues devem estimular o repertório linguístico completo das crianças. Muitas estratégias para fazê-lo podem ser sugeridas (veja, por exemplo, Celic & Seltzer, 2012; García, Johnson e Seltzer, 2016). As crianças bilíngues terão uma compreensão mais completa da leitura de textos escritos em inglês, se eles tiverem autorização e estímulos para discutir ideias profundamente usando a linguagem nas formas que preferem, independentemente de ser ou não o mesmo idioma que o texto. Estudantes bilíngues são escritores melhores se tiverem autorização para pré-escrever com todos os recursos de linguagem que podem usar. Estudantes bilíngues são melhores pensadores se encorajados a pesquisar tópicos em qualquer idioma. Uma pedagogia nas translinguagens, independentemente da língua oficial de uma sala de aula, contribuiria muito para dar a essas crianças falantes de línguas minoritárias a educação que elas precisam.

García, Johnson e Seltzer (2016) identificam três vertentes de uma pedagogia pelas translinguagens – 1) a postura do professor, 2) o design de ensino e o design de avaliação, 3) as alternâncias. A postura dos professores, as suas crenças filosóficas sobre o valor do bilinguismo na vida de uma criança falante de línguas minoritárias é muito importante. Exceto se o professor tenha uma postura crítica sobre as práticas de reducionismos linguísticos que ocorrem nas escolas, ele ou ela não procurará por espaços com translinguagens em suas classes. Exceto se o professor enxergue a si mesmo como um co-aprendiz, disponível para aprender com as crianças sobre as suas práticas linguísticas e culturais, além de suas compreensões de mundo, não será possível criar um espaço para as translinguagens. Por isso é necessário muito mais do que simplesmente uma postura, uma vez que as translinguagens são sempre estratégicas e propositais.

Também deve ser desenvolvido um design de translinguagens para o ensino. Isso inclui ter material multilíngue apropriado para que os alunos aprendam, configurando a sala de aula como um espaço multilíngue e agrupando os alunos por vezes de acordo com a linguagem de origem para que possam se ajudar entre si e aprofundar o sentido da aprendizagem. Isso também implica em projetar aulas com objetivos que circulam entre propósitos linguísticos, de conteúdo e das translinguagens. Aulas com uso das translinguagens e projetadas de maneira uniforme não podem ser para pensamentos posteriores, mas sim estar integradas as aulas.

Finalmente, os professores nas salas de aula que fazem uso de translinguagens devem estar preparados para as mudanças no design das aulas que podem ser necessárias para responder às alterações que as translinguagens podem demandar por crianças ou grupos de crianças para permitir utilizar todo o seu repertório linguístico. Ou seja, os professores em salas de aula com translinguagens devem ser vigilantes e observar profundamente as crianças para que saibam quando o curso das aulas tem de se desviar ou até mudar, para tornar as aulas mais significativas para as crianças, independentemente de em que ponto do espectro continuo bilíngue. O que é importante para os professores em salas de aula com uso das translinguagens é desenvolver a voz das crianças, porque o aprendizado só ocorre quando nós temos voz.

Os estudantes vão para a escola para adquirir compreensões do conteúdo, mas também formas de usar a linguagem, e formas de usar a linguagem dominante. Os alunos bilíngues só podem adquirir novas competências linguísticas nas inter-relações com as que já possuem acesso. É quando os alunos podem refletir sobre todas as suas práticas linguísticas que o desenvolvimento da linguagem pode surgir.

Translinguagens na avaliação

É importante que os professores reconheçam que a avaliação monolíngue simplesmente não é uma medida precisa das performances linguísticas ou acadêmicas das crianças bilíngues. Embora as crianças monolíngues tenham permissão para usar a maioria das características linguísticas em seu repertório para mostrar o que sabem, as crianças bilíngues são informadas de que devem usar apenas menos da metade de suas capacidades. Claramente, um viés linguístico é incorporado, gerando uma avaliação monolíngue como resultado.

Os professores em salas de aula que fazem uso das translinguagens podem ter a certeza disto ao cuidadosamente observar a criança realizando diferentes tarefas utilizando todo o repertório linguístico, bem como quando utilizam apenas algumas capacidades linguísticas. Eles devem ter capacidade de separar as habilidades da criança em fornecer evidências baseadas em texto, fazer inferências, identificar ideias principais e reconhecer a construção e a estrutura dos textos – tudo muito importante nos «Common Core State Standard» – de sua capacidade de usar certas convenções linguísticas em português((N. T. Ver nota 8. O termo inglês também foi intencionalmente alterado para português neste parágrafo em várias ocorrências, similarmente ao anotado na nota 12.)). Ele pode ser um falante de português e não ser capaz de realizar certas tarefas. Podem ser chamadas de «crianças que aprendem em uma segunda língua» e podem fazer isso corretamente se puder aceder aos recursos linguísticos diferentes dos incluídos no português. Os professores em salas de aula que fazem uso das translinguagens nunca confundem a capacidade de usar um determinado idioma (nomeado) com os recursos legitimados na escola da capacidade de usar o idioma para tarefas acadêmicas. As translinguagens nos permitem ver claramente a diferença entre uma linguagem dita padronizada, consagrada como tal para dar vantagem aos seus falantes e a capacidade de «usar»((N. T. No original é utilizado o verbo «to do», que em tradução literal pode ser compreendido como fazer.)) o idioma, para usar ele com diferentes interlocutores para diversas tarefas e propósitos, incluindo os escolares. É essa informação que permitirá que os educadores serem honestos e verdadeiros sobre o que uma criança bilíngue pode fazer.

Em que tipo de sala de aula estão as translinguagens?

Nós estamos sugerindo que as translinguagens ultrapassam as tipologias de salas de aula, professores, ou até de estudantes. Nós estamos acostumados a categorizar as salas de aula como monolíngues ou bilíngues. As translinguagens interrompem essas realidades estruturais promovendo um contexto multilíngue em todas as configurações educacionais. Também estamos acostumados a chamar professores bilíngues ou monolíngues((N. T. Para o cenário brasileiro os professores e as escolas «monolíngues» são via de regra chamados apenas de «professores» ou escolas. A distinção ocorre apenas para os professores e escolas bilíngues, que são classificados como «professores bilíngues» e «escolas bilíngues».)). As translinguagens são uma abordagem educacional que pode ser utilizada por todos os professores. Tudo o que é necessário é um pouco de maior tomada de risco e uma posição como co-aprendiz. Muito pode ser aprendido com estudantes que se tornaram minorias através da linguagem.

Uma pedagogia orientada pelas translinguagens também é aplicável para todos os alunos, não apenas para aqueles que são bilíngues emergentes, mas também para bilíngues experientes e para aqueles considerados monolíngues. É aplicável para alunos com dificuldades de aprendizagem e aqueles que tiveram uma educação incompleta ou interrompida em seus países de origem, ou uma educação fraca no contexto de origem((N. T. No texto original há uma menção específica para os «Estados Unidos», substituída aqui por «contexto de origem».)). Todos podem aprender com uma abordagem pelas translinguagens, desde que sejam niveladas as regras do jogo e colocados os alunos com diferentes perfis em contato uns com os outros. As translinguagens podem ajudar a desenvolver uma consciência linguística crítica que é necessária para todas as comunidades de hoje.

A necessidade de aprendizagem profissional

No entanto, encontramos nas salas de aula em todos os lugares uma verdadeira resistência quando os profissionais tentam utilizar as translinguagens no ensino em sala de aula e uma resistência contínua à pedagogia pelo uso das translinguagens. Mesmo quando encontramos educadores ansiosos e desejosos de celebrar e aproveitar as diversidades multilíngues em suas salas de aula, encontramos uma total falta de apoio e falta de formação contínua para os professores. As recomendações práticas sobre este tema saem de uma busca por formas de traduzir a teoria por trás das translinguagens em práticas dinâmicas nas salas de aula. Para esse salto da teoria à prática se efetivar, nós precisamos considerar as maneiras pelas quais os professores desenvolvem sua compreensão das translinguagens. Qual o novo aprendizado com o qual os professores têm de se envolver para mudar as suas práticas incorporando as translinguagens? O que será necessário para equipar e dar suporte aos professores para usar as translinguagens como uma poderosa forma de ensino? Que tipo de mudança organizacional é necessária para que a pedagogia pelo uso das translinguagens seja adotada nas escolas? Essas questões apontam para a necessidade urgente de avançar a formação profissional para os professores, a fim de desenvolver salas de aula que fazem uso das translinguagens.

Uma das principais barreiras para o uso significativo da pedagogia pelas translinguagens nas salas de aula do ensino fundamental e médio nos Estados Unidos((N. T. No texto original há uso pelo termo K-12, que remete à junção entre os ensino fundamental e médio em alguns países, como nos Estados Unidos.)) é que não há desenvolvimento profissional ou treinamento de professores no design do ensino e da avaliação usando as translinguagens. A maioria dos educadores não teve esse treinamento, então falta conhecimento na área e na carreira. Continua a haver falácias numerosas sobre aprendizagem e desenvolvimento de línguas entre os educadores, e esses equívocos podem impedir que os professores vejam as oportunidades de práticas de uso das translinguagens em suas salas de aula.

Mesmo em associações de professores onde há um foco em apoiar bilíngues emergentes, a experiência no ensino com translinguagens não é disseminada. O conhecimento da pedagogia das translinguagens precisa ser generalizado para que os educadores em todos os contextos o tenham como parte de sua compreensão básica de ensino e de aprender. Muitas vezes, nas escolas, o conhecimento profissional na educação linguística está concentrado entre alguns pedagogos especializados, resultando em menos contextos nos quais bilíngues emergentes têm a oportunidade de fortalecer seu repertório linguístico. Idealmente, todos os professores deveriam se beneficiar para aumentar a sua compreensão do desenvolvimento linguístico e deveriam receber algum treinamento para desenvolver sua compreensão da pedagogia pelo uso das translinguagens, sejam eles explicitamente professores de línguas ou não. Isso nos levaria a um sistema educacional que valorizasse as translinguagens em todos os contextos, não apenas para crianças bilíngues, e não apenas em salas de aula onde uma língua dominante como o português((N. T. No texto original a menção é ao inglês. Ver notas 11, 12 e 14.)) está sendo ensinado como uma nova linguagem.

Na sala de aula os professores são frequentemente confrontados com restrições que os impedem de usar as translinguagens com seus alunos. Os professores podem se sentir relutantes em abandonar o tempo de ensino para se concentrarem na consciência metalinguística, ou podem estar inseguros sobre como utilizar os recursos da língua materna de forma significativa. Os professores enfrentam obstáculos práticos que impedem a criação de ambientes multilíngues de aprendizagem, e eles precisam de apoio e orientação para resolver essas limitações.

Na verdade, os professores podem até mesmo ser instruídos pelos diretores da escola para proibir as crianças de usar e aprender em suas línguas maternas, porque eles incorretamente assumem que o uso de idiomas estrangeiros dificultam o desenvolvimento da língua portuguesa((N. T. Idem nota anterior.)). Nessas situações, enquanto os professores podem se sentir motivados por tentar proteger a diversidade linguística de seus alunos, eles também podem se sentir de mãos atadas quando os diretores escolares não conseguem entender o propósito e o significado por trás da pedagogia pelo uso das translinguagens. Por isso, os diretores escolares também precisam desenvolver uma compreensão das translinguagens para promover as diversidades multilíngues em suas escolas. Quando os diretores assumem a liderança, os professores se sentem apoiados no uso de práticas de translinguagens em suas salas de aula.

O campo da educação precisa continuar criando capacidade neste sentido em todos os níveis, desde assistentes de ensino até gerentes regionais, em como usar as translinguagens na sala de aula. Para fazer isso, precisamos repensar a formação de professores e os cursos de licenciatura. Os centros de formação profissional para educadores também são locais de luta para a pedagogia das translinguagens, porque é nestes espaços onde os professores desafiam seus próprios equívocos sobre aprendizagem de línguas, onde lutam para criar tempo nos momentos de ensino para apoiar o crescimento em múltiplas línguas e onde praticantes podem começar a mudar seu pensamento em torno da educação linguística.

Por que recomendações práticas?

Com a intenção de melhorar a formação profissional, a revista Theory, Research and Action in Urban Education publicou as suas recomendações práticas neste número((N. T. Este texto é originalmente escrito como introdução de um volume temático em uma revista especializada em educação. Ver nota 1. Os textos estão disponíveis online, em idioma inglês.)) para unir a teoria e a prática, sustentando uma conversa teórica e prática sobre como transformar a pedagogia usando as translinguagens. As práticas foram escritas com uma crença subjacente em mente: se falarmos sobre como operar as translinguagens nas práticas educacionais, começaremos a ver que as translinguagens se baseiam no ensino em sala de aula.

Nestas recomendações práticas, os autores forneceram ideias concretas sobre como projetar o ensino e mudar a cultura escolar de maneiras que incorporem as translinguagens. Essas recomendações tornam as ideias por trás das translinguagens acessíveis aos professores que podem nem ter recebido treinamento profissional na educação linguística. Os autores abordam os equívocos e constrangimentos que impedem os praticantes de usar as translinguagens e apontam para oportunidades e métodos tangíveis de uso das translinguagens.

As recomendações práticas por si só não levarão a mudanças no modo de ensino. Pesquisadores e professores precisam efetivamente dialogar entre si para saber como a teoria pode ser utilizável por profissionais e pelas escolas. Eles devem encontrar maneiras eficazes de mudar a prática de ensino através da formação profissional que está vinculada diretamente ao ensino em sala de aula. Esperamos que essas recomendações inspirem reflexões profundas, diálogos e, em última instância, ações para alterar a formação dos professores. Desta forma, os educadores podem transformar o ensino para bilíngues emergentes em particular, e a educação de línguas para crianças em todos os contextos.

Ao ler as recomendações práticas, podem haver maneiras diferentes de você agir, como:

– Compartilhar uma das recomendações práticas com colegas e discutir a forma como as translinguagens podem ser usadas com os alunos com quais vocês trabalham.

– Escrever uma recomendação prática para professores e profissionais com quem você trabalha, que inclua um conceito ou um pouco de teoria relacionado ao suporte à diversidade linguística. Forneça exemplos concretos do seu próprio contexto de como isso pode ser feito no ensino em sala de aula e organize seus colegas em como eles podem projetar a didática usando as translinguagens.

– Publique sua própria recomendação prática e compartilhe-a, modelando como este gênero de escrita pode ser usado para desenvolver e mudar a prática de ensino.

– Utilize os conceitos das translinguagens nas atividades de formação profissional que você promover com outros professores. Use uma variedade de idiomas como meio de instrução quando você organizar atividades de formação profissional para professores para simular um ambiente de aprendizagem multilíngue.

– Comece um diálogo sobre as translinguagens com o diretor da escola que atenda as necessidades acadêmicas e linguísticas dos bilíngues emergentes e discuta como a escola pode criar uma cultura inclusiva que valoriza a diversidade linguística.

– Solicite ao seu distrito escolar para obter maior formação de professores sobre como apoiar o desenvolvimento em vários idiomas ou exigir um aumento nos materiais e recursos educacionais em vários idiomas.

Conclusões

Mesmo quando as políticas educacionais determinam o privilégio do português((N. T. Idem nota 19. Foi substituída a menção aos Estados Unidos pelo termo «nacional».)) nas escolas nacionais, ou mesmo quando as estruturas sociais mais amplas trabalham para marginalizar as crianças através do idioma, as translinguagens oferecem uma forma de subversão. Estudantes e professores podem falar com maior poder e verdade quando utilizam linguagens que estão ameaçadas de extinção, quando os alunos defendem o direito de usar sua língua materna na escola e quando os professores os ajudam a fazê-lo. Eles podem interromper as convenções sociais normais e assumir que o uso de múltiplas linguagens é valioso, mesmo quando pode ser desconfortável para aqueles que estão acostumados a usar uma linguagem dominante como o português. Numa altura em que as competências multilíngues são consideradas competências premiadas numa economia global, cabe aos educadores críticos articular uma visão clara e justa multilíngue para as escolas e, acima de tudo, assumir a responsabilidade pela criação de espaços de translinguagens em serviço de alunos falantes de minorias linguísticas.

 

Referências((N. T. Nenhuma das referências possui tradução para o idioma português ou para o idioma espanhol. O texto de François Grosjean possui uma edição em italiano publicada em 2015.))

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Para citar este artículo: Yip, J., García, O. (2018). Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, pp. 164 – 177. Recuperado en https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores

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