DescargaJavier Paez((O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Estudantes-Convênio de Pós-Graduação – PEC-PG, da CAPES/CNPq – Brasil, no marco do mestrado em Antropologia Social da UFSC. Alguns trechos do mesmo foram apresentados no 11° Fazendo Gênero e o 13° WW Congress em Florianópolis em agosto de 2017 com o título “Limites em mutação. Os banheiros públicos e a sexualidade”.)).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
paez.javierandres@gmail.com

Recibido: 31/10/2017 – Aceptado: 2/12/2017

 

Resumo: O seguinte trabalho reflete sobre as fronteiras materiais e simbólicas de gênero a partir de um espaço chave como é o banheiro público. O debate crescente dos últimos anos sobre os banheiros públicos, e a população trans expressa um profundo processo social de mudança no reconhecimento político dos sujeitos que não só demanda um reconhecimento formal, senão um lugar no espaço. O banheiro público representa um espaço fronteiriço (público/privado, homem/mulher) e desse modo emerge sintomático de uma economia significante em mutação que modifica estruturalmente a organização social. Nesse contexto o seguinte trabalho tenta rastrear, a partir da produção referente à temática a emergência histórica desses espaços como também sintetizar o estado da arte em torno às discussões atuais. Por último se tentará abordar a situação atual na Argentina focando na experiência de alguns sujeitos trans da cidade de Córdoba levando em conta que, como assinala Lohana Berkins (2003), representa o setor de maior vulnerabilidade das chamadas minorias sexuais.

Palavras-chave: Banheiros públicos; Sexualidade; Gênero; LGBTIQ.

 

Abstract: The following paper reflects on the symbolic and material boundaries of a contemporary public space based on a key space such a public toilet. The increasing debate over recent years about public toilets and trans population expresses a profound social process of changing political recognition of the subjects who not only demand a formal recognition but also a place in the world. The public restroom represents a borderline (public/private, man/woman) and thus, it emerges as symptomatic of a changing significant economy that structurally modifies the social organization. In that context, the following work tries to trace, from the production referring to the thematic the historical emergence of these spaces as well as to synthesize the state of the art around the discussions. Finally, we will try to address the current situation in Argentina by focusing on the experience of some trans subjects of Córdoba, taking into account that, as Lohana Berkins (2003) points out, it represents the most vulnerable sector of the so-called sexual minorities.

Key-words: Public toilets, Sexuality, Gender, LGBTQI.

 

“La Monja”((O seguinte é um relato produto de três entrevistas feitas em meados de 2017 em Córdoba, Argentina. No desenvolvimento do projeto se fizeram um total de 36 entrevistas entre Córdoba, Argentina e Florianópolis, Brasil.))

La Monja’((Em espanhol “monja” significa freira. A história começa a princípios dos anos 80 onde Enrique, depois Enriqueta (mais conhecida como “la Monja”) na época estudava num colégio religioso como interno, e nos finais de semana frequentava “Somos” onde se transvestia, sendo batizada assim, com o apelido que ainda leva com orgulho: “a freira”. “Somos” foi uma das primeiras boates gay de Córdoba, um dos pequenos espaços abertos, no começo da democracia argentina, à comunidade gay. ))viu seu nome no envelope e decidiu abri-lo sem perguntar a ninguém. Nisso de perguntar, antes de fazer, ela não tinha muita experiência e não tinha porque inovar nessas alturas. Fazia um tempo que ela vinha sentindo-se mal e em suas mãos tinha os resultados de vários estudos realizados na cidade de Córdoba. Quando leu que seu exame de HIV deu positivo se sentiu desvanecer e correu até cair desmaiada, conta, em frente de uma escada. Ao levantá-la os carcereiros lhe perguntaram o que tinha feito (jamais perguntavam como ela se sentia) e ela emudeceu. Sabia que não podia compartilhar a notícia. Encarcerada na Prisão de Villa Dolores, ‘La Monja’ não tinha direito nem para sofrer em voz alta. Se os carcereiros descobrissem que ela tinha aberto seus resultados sem permissão não só pagaria pela sua insolência, como também o enfermeiro pagaria pela sua imperícia. E assim, ela negociou com o enfermeiro que este fecharia o envelope novamente e minimizou os danos em pouco tempo. Ligou para a sua família para avisar-lhes que em breve receberiam uma notícia e sofreu em silêncio mais uma vez. Passados alguns dias chegaria a notícia da mão de um tribunal médico, momento a partir do qual poderia gritar as suas tristezas. Até aquele momento, ela sabia muito bem, que devia se calar.

Ela sabia quem foi. Ela não era a primeira, e ela sabia disso. ‘La Monja’ conheceu o ‘Gringo Pizza’ no Penal de San Martin, e numa manhã fria de agosto de 2010 o ‘Gringo Pizza’ a estuprou no banheiro daquela prisão. ‘La Monja’ conta, repete e insiste em que fazia frio. Que só lhes davam dois cobertores para dormir, que os tetos eram muito altos, que não tinham paredes e que tampouco haviam janelas. Conforme conta, dormia vestida e isso lhe facilitava levantar-se cedo. Às 6 da manhã abriam os ‘sapos’ (cadeados) das celas, e ela corria para conseguir uma das cinco duchas quentes do dia. A água quente era um bem escasso no Penal, mas não porque muitos brigavam por ele, senão porque vá lá a saber qual poder divino decidia que só seriam cinco as duchas quentes às seis da manhã. ‘La Monja’ levantou-se naquela quinta rapidamente e caminhou desde a sua cela número 30. Conforme conta todos reconheciam seu caminhar (o ritmo e o som dos seus chinelos contra o chão) assim, o ‘Gringo Pizza’ ao acordar não tardou muito em se alistar desde a sua cela número um.

Ela já estava nua e com a água morna chocando contra a temperatura fria do ar quando o “Gringo Pizza” ingressou nas duchas para cumprir quase uma promessa. Ela escutou alguém ingressando e quando viu o “Gringo” ela não ficou com medo, mesmo sabendo o que aconteceria. Sem nenhuma mediação de palavras, nessa situação, sem dúvida, sobram, o gringo pizza penetrou fortemente à “Monja”. O calvário não durou muito, conta, como se existisse um tempo médio dos estupros. De fato, quando eu pergunto pra ela se sofreu aquele estupro, ela diz que foi como ter mais um “grão”, e aclara rapidamente, “o que faz mais uma mancha num tigre?”. É verdade, já nessas alturas ‘La Monja’ tinha aprendido a sobreviver na prisão (eu diria, no mundo) o que implicava uma sorte de know-how trans, é dizer, saber suportar entre as várias situações quotidianas de violência, o estupro. A história não termina aqui. “La Monja” depois daquele estupro teve um relacionamento amoroso com o “Gringo Pizza” e as suas lembranças dele não estão carregadas nem de sofrimento, nem de ressentimento. De fato ela esclarece entre risadas que “só me estuprou a primeira vez!”, como se aquilo fosse uma desculpa((Uma e outra vez tentei transcrever as entrevistas que reconstroem a cena relatada. Não obstante é justamente aquele relato calmo de “La Monja”, que não expressa nem ressentimento, nem sofrimento, que me levou a achar que uma versão mais literária poderia ajudar a resolver a tensão entre a minha percepção e a experiência dela. Finalmente achei compreensão em outros autores de referencia na temática como Sheila Cavanagh, quem depois de publicar “Queering bathrooms” (2010), achou que ainda tinha material que não encaixava nos formatos académicos. Deste modo decidiu verter aquele potencial numa peça de teatro, que finalmente escreveu. Refletindo sobre aquele processo, numa intervenção no congresso da Associação de estudos da Sexualidade em Ottawa em 2015, ela expressa: “The neglect as I see it is due to a false binary between fact and fiction. The problem is with respect to the status of truth and the real in academic research. What counts as real matters but truth defies capture before our empirically grounded eyes. There is always something in excess of our research. Let me explain the paradox as I see it. Many trans participants reported harassment and forceful removal by security guards and male vigilantes in toilets. This finding is not only substantiated by my research but documented by trans organizations in Toronto and throughout Canada and the United States who lobby  for  gender  neutral  toilet options (…) But the question of what it means to be excommunicated in public space, notably toilets, is immeasurable and taps into the realm of affect [ressaltado nosso]” (Cavanagh, 2015, p. 2-3) )).

Mas não é só a perversidade académica que me leva a começar o seguinte trabalho com o relato de um estupro de uma transexual numa prisão onde eventualmente é contagiada de HIV. O banheiro é uma fronteira de gênero((Entendo por fronteira de gênero os limites, materiais ou simbólicos, que produzem ou reproduzem a divisão do mundo social em universos masculinos e femininos.)) que, dividindo o mundo social (como qualquer fronteira), exerce uma função classificatória com sérios efeitos na realidade social.

O seguinte trabalho se insere justamente num marco de profundas mudanças nas políticas do gênero e a sexualidade onde os banheiros, como fronteira do gênero em mutação, se encontram no centro do debate da inclusão (ou segregação) trans, não só na Argentina. Para compreender melhor o que tento dizer só bastam alguns exemplos desde que comecei o seguinte trabalho em 2016 onde tanto num nível global, como também na região se observa um debate crescente. Só para brindar alguns exemplos num recorte 2016-2017 (o período da presente pesquisa): Começando pela América do Norte, nos Estados Unidos se desatou a escandalosa “batalha dos banheiros” (bathroom war)((A chegada da questão na capa da Revista Time em maio de 2016 baixo o título “The battle of the bathroom” expressa o auge da temática no debate público dos Estados Unidos: http://time.com/4341458/in-the-latest-issue-70/ Acesso em 18 de maio de 2017.)) disputada principalmente nos parlamentos estaduais((O caso paradigmático da Carolina do Norte emerge, entre vários outros, em março de 2016 como podemos observar na cobertura do New York Times em março de 2016: https://www.nytimes.com/2016/03/24/us/north-carolina-to-limit-bathroom-use-by-birth-gender.html?mcubz=1 Acesso em 12 de junho de 2017.)); no seu vizinho mais tranquilo, Canadá, emergiu a questão dentro de um pacote de leis contra a transfobia que igualmente elevou o debate sobre o banheiro((Em Canada debaixo do debate da “bill 10” (também influenciado pela guerra dos banheiros nos EEUU) os banheiros receberam protagonismo chegando aos principais jornais do país. É assim que em junho de 2017 o debate continua vigente, como podemos observar no comitê de desenvolvimento comunitário de Toronto. Segundo o Toronto Star: https://www.thestar.com/news/city_hall/2017/06/07/bathrooms-just-the-first-of-many-barriers-transgender-youths-face.html Acesso em 15 de julho de 2017.)); atravessando o mar encontramos de diversos modos a questão na Europa em países como Espanha((Finalmente em 2017 será aprovada a chamada “lei Trans”, apresentada no Parlamento valenciano em 2016, que estipula o uso dos banheiros pelas pessoas Trans nas escolas públicas da Espanha. Fonte El Mundo: http://www.elmundo.es/comunidad-valenciana/2016/11/10/5823714846163f774b8b458d.html Acesso em 12 de junho de 2017.)), Bélgica((Em maio de 2017 é apresentada no Parlamento Belga uma proposição de banheiros mistos nos prédios públicos, como bem retrata aqui a Nouvelle Gazette: http://centre.lanouvellegazette.be/87911/article/2017-05-30/pour-des-toilettes-publiques-accessibles-aux-transgenres Acesso em 12 de junho de 2017.)), Alemanha((Em Berlim em julho de 2017 o Partido Verde (Bündnis 90 / Die Grünen) propõe uma série de reformas em lugares específicos da cidade para a inclusão da população LGBT. Um dos pontos mais importantes, (senão o mais importante) é a remodelação dos banheiros para a utilização da população Trans (segundo os parlamentares, por um custo de 500 euros). O jornal local Bild Zeitung o recolhe deste modo: http://www.bild.de/regional/berlin/buschkowsky-kolumne/aetzend-dass-wir-diesen-unsinn-zahlen-52588734.bild.html Acesso em 15 de julho de 2017.)), Reino Unido((No Reino Unido observamos um pouco da atualização da discussão, logo após a aparição de diversos “banheiros neutros” em abril de 2017. No The Telegraph: http://www.telegraph.co.uk/women/life/why-the-uk-should-ditch-male-and-female-toilets-for-gender-neutr/ Acesso em 10 de agosto de 2017.)) e Países Baixos((Mais uma vez a educação se encontra no centro do debate, nos Países Baixos, a Universidade de Leyde que testava banheiros “neutros” em 2016, como expressa o jornal Le fígaro: http://www.lefigaro.fr/flash-actu/2016/06/06/97001-20160606FILWWW00302-pays-bas-des-toilettes-neutres-a-l-essai.php Acesso em 12 de junho de 2017.)); também assim no resto dos continentes (Oceania, África e Ásia) em países como Austrália((Na Austrália, um pouco perifericamente, observamos também como a temática emerge no debate público. Já quase como um clichê o começo da discussão aparece no ensino superior, a partir de propostas de banheiros “unissex” na WA University (University of Western Australia). Fonte o West Austrália em outubro de 2016: https://thewest.com.au/news/australia/uni-set-for-toilets-to-go-unisex-ng-ya-120792 Acesso em 9 de agosto de 2017.)), África do Sul((Novamente a interseção entre banheiros, educação superior e inclusão Trans tomam protagonismo, agora na África do Sul. Neste caso observamos o debate publicado em março de 2017 no Mail & Guardian: https://mg.co.za/article/2017-03-14-queer-students-battle-for-inclusion Acesso em 20 de agosto de 2017.)), ou Japão((Na Ásia o debate também se apresenta. Neste caso observamos a atenção midiática da revista Time, sobre a possibilidade de banheiros “para todos os gêneros” nos Jogos Olímpicos de Japão em 2020: http://time.com/4688322/toilets-all-genders-olympics-japan/ Acesso em 10 de agosto de 2017.)). Voltando na América para chegar na nossa região, a questão aparece de forma isolada no Uruguai((No Uruguai a questão toma protagonismo a partir do Teatro Solís da capital que em 2016 irá propor o “primeiro banheiro trans-inclusivo”. Jornal El Pais: http://www.elpais.com.uy/informacion/inauguran-bano-inclusivo-teatro-solis.html Acesso em 9 de agosto de 2017.)) relacionada à “política de cultura”, em tanto achamos uma predominância da questão relacionada à educação no México((No México, num marco de violência extrema, a questão do banheiro não se deixa perder protagonismo. Reclamando pelo assassinato de duas mulheres Trans, Aracely Campos (militante pelos direitos Trans) foi convidada para falar da temática na UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México) onde sofreu uma situação de discriminação por funcionários no ingresso ao banheiro da universidade. As autoridades saíram pedindo desculpas públicas segundo o portal Verne: https://verne.elpais.com/verne/2016/10/28/mexico/1477665379_338713.html Acesso em 12 de junho de 2017.)) em Chile((Dentro do pacote regional do debate sobre os banheiros e a educação, o Chile acompanha a tendência com várias medidas. Neste marco a Super Intendencia de Educación obriga os colégios a remodelações em banheiros e duchas para que sejam “inclusivos”. Maio de 2017, fonte El Demócrata: https://www.eldemocrata.cl/noticias/transexualidad-en-colegios-sostenedores-alegan-imposicion-sin-dialogo-por-parte-del-gobierno/ Acesso em 12 de junho de 2017.)) e Peru((No Peru novamente encontramos a questão referida à educação superior, neste casso levantada de forma particular pela agência de notícias católica ACIPRENSA: https://www.aciprensa.com/noticias/aprueban-banos-transexuales-en-la-pontificia-universidad-catolica-del-peru-45445/ Acesso em 18 de maio de 2017.)); para finalmente reforçar aquilo no país em questão neste trabalho: em Buenos Aires e Córdoba, na UBA((É verdade que na Argentina desde a promulgação da lei de identidade de gênero em 2012 a Universidad de La Plata já tinha banheiros “mistos” na Facultad de Comunicación Social. Contudo a UBA atrasou até 2017 para impulsar banheiros mistos na Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Diseño. Fonte La Nación: http://www.lanacion.com.ar/2051800-para-el-inadi-que-la-uba-tenga-un-bano-mixto-puede-servir-como-modelo-para-otras-instituciones Acesso em 12 de junho de 2017.)) e a UNC((Na sequência às decisões na UBA, a Universidad Nacional de Córdoba lança banheiros “sem distinção de gênero” na Facultad de Psicología. Fonte La voz: http://www.lavoz.com.ar/ciudadanos/crearon-un-bano-sin-distincion-de-genero-en-la-facultad-de-psicologia-de-la-unc Acesso em 18 de maio de 2017.)) respectivamente, achamos a saída dos primeiros banheiros “mistos” dessas Universidades.

Reiteramos que os fenômenos assinalados só formam parte do recorte 2016-2017, e cada um com as suas particularidades regionais e locais vai adquirir derivas específicas. Contudo, a intenção desta pequena compilação oferecida visa a ajudar a compreender a vigência atual de uma problemática de uma abrangência temporal e espacial que sem dúvidas excede o seguinte trabalho, mas que tentaremos ajudar a compreender melhor desde uma “experiência situada”.

A emergência de novos sujeitos políticos dos últimos anos impactaram nas fronteiras de gênero que dividiam o mundo social entre homens e mulheres (na realidade entre bio-homens e bio-mulheres, é dizer entre corpos classificados biologicamente como homens ou mulheres), questionando a atual divisão arquitetônica da administração dos lixos corporais, que continua mantendo uma organização a partir dos sujeitos vitorianos do século XIX. Neste marco o banheiro responde, como toda fronteira, justamente pela posição social limiar daquela arquitetura específica. Deste modo vários autores e autoras vem trabalhando no subcampo incipiente chamado (um pouco exageradamente por Molotch) de “toilet studies”, onde se encontra uma porta interdisciplinar((Resgatamos a interdisciplinaridade neste pequeno subcampo por duas vias: em primeiro lugar obviamente a partir de uma tradição das ciências sociais desenvolvidas fundamentalmente no final do século XX. Mas também lembramos, junto a Éric Fassin (quando analisa os roteiros locais e internacionais do conceito de gênero e a sua recepção francesa) que o mesmo campo de estudos feministas se desenvolveu seguindo aquela mesma tradição: “L’espace des études féministes s’est donc d’abord construit, sur le modele du champ des recherches interdisciplinaires em sciences humaines (…)” (Fassin, 2008, p. 379))) para compreender a segregação urbana, a discriminação e a violência sofrida por diversos agentes, neste caso e essencialmente, as feminidades trans. Na continuação tentaremos fazer um breve “estado da arte” para compreender melhor o debate atual sobre a questão.

Um roteiro: por um estado da arte

Antes de começar a refletir diretamente sobre aquela fronteira de gênero particular que é o banheiro contemporâneo, gostaríamos de fazer um pequeno “estado da arte”, para compreender minimamente o desenvolvimento do debate nos últimos anos.

Se bem que os chamados estudos críticos da arquitetura e do urbanismo desde uma perspectiva feminista começam a questionar a “neutralidade” do espaço desde finais dos anos 70, é só no final dos anos 80 e começo dos anos 90 que aquilo começou a se espalhar e ter relevância e influência fora do âmbito restrito no qual nasceu.

A obra de Beatriz Colomina, Sexuality and Space (1991) emerge finalmente como a pedra angular feminista de uma mudança de paradigma no final do século no que se refere ao campo de estudos sobre sexualidades e espaços. Paralelamente os olhares interseccionais começavam a obter sistematização, principalmente a partir dos aportes de Kimberlee Crenshaw((Embora o olhar interseccional vinha tomando força há um bom tempo, ainda que exista um amplo consenso em outorgar a Crenshaw o reconhecimento formal ao termo em 1989 em «Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics». The University of Chicago Legal Forum. 140: 139–167. O olhar interseccional tem uma origem no black feminism começado nos anos 60 nos Estados Unidos como resposta ao sexismo do movimento pelos direitos cívicos e o racismo dentro do movimento feminista. Já no final dos anos 80’s e começo dos anos 90’s figuras como Crenshaw conseguiram um espaço para denunciar que as violências e os sofrimentos das mulheres eram também heterogêneos.)), depois de um grande esforço crítico do chamado black feminism (localmente conhecido como feminismo negro). É naquele contexto que o movimento crítico da arquitetura começado nos anos 70 interpela os espaços pela primeira vez a partir de categorias como sexualidade, gênero, raça, classe, etc((“Space, like language, is socially constructed; and like the syntax of language, the spatial arrangements of our buildings and communities reflect and reinforce the nature of gender, race, and class relations in society. The uses of both language and space contribute to the power of some groups over others and the maintenance of human inequality.” (Kanes Weisman citada por Kogan, 2007, p. 8).)).

Na arquitetura consagrada do século XX se encontra uma resposta dialeticamente oposta (com o racionalismo e o funcionalismo arquitetônico) para a saturação simbólica precedente subordinando utópica e radicalmente a forma à função((“form ever follows function, and this is the law” (Sullivan, 1896, p. 408).)). É assim que no final do século XX uma série de trabalhos foram destinados a demonstrar como o espaço se encontra carregado de sentido e não só reflete uma estrutura social (no final das contas, desigual e opressiva) senão que ainda reproduz a mesma ordem.

Este olhar desde uma ótica feminista decantou em compreender a estrutura espacial dividida num binômio masculino/feminino. Naquele momento o esforço se centrou principalmente em demonstrar como aquela dicotomia que dividia o mundo social encontrava um sustento empírico no espaço físico. A matriz patriarcal e machista que dividia os sujeitos políticos a partir de bio-critérios dicotômicos organizava o espaço físico identificando alternativamente espaços masculinos e espaços femininos((“(…) critical architectural theorists have explored how certain architectural dichotomies have historically been associated with the masculine and the feminine: the unadorned and simple as masculine, the adorned and ornamented as feminine; the public and outside as masculine (and heterosexual), the private and inside as feminine (and homosexual); hard surfaces as masculine, soft surfaces as feminine. Men have been associated with planning and building spaces, womenwith decorating and making those spaces livable. Men have been associated with urban spaces, characterized by oppressive and inhuman skyscrapers and straight streets; women have been associated with rambling suburban spaces” (Kogan, 2007, p. 8-9).)).

A ponta do iceberg que começou naquelas reflexões é a denúncia da divisão ideológica das esferas públicas e privadas baixo domínios masculinos e femininos((Para uma introdução geral sobre a temática recomendamos Rendell, Penner & Borden (2003) Gender, Space, Architecture. An interdisciplinar introduction. Routledge. New York.)). Mas aquele momento fundador que decantou quase como um ensaio estruturalista comprovando a organização do cosmos social e a sua réplica no urbanismo e na arquitetura baixo uma série de dicotomias binárias, opostas e complementares, não se deteve simplesmente no olhar descritivo, entendendo os produtos sociais como simples execução do universo simbólico. Rapidamente se começou a observar como nos processos subjetivos de masculinização e feminilização o espaço também intervia((Terry Kogan ressume aquele momento da seguinte maneira: “Recent cultural theory has uncovered how aspects of human identity that seem natural, aspects including sexuality, gender, race, and class, are in fact socially constructed. The discourse of architecture -construction- is borrowed to describe this fundamental tenet of postmodern identity theory. Only recently has architectural theory itself begun to focus on how the physical spaces that a society builds and occupies contribute to the ways in which human identity is socially constructed”. (Kogan, 2007, p. 8-9).)).

É nesta mesma linha que começa a ter protagonismo o banheiro nas discussões aludidas desde a crítica da arquitetura, a geografia e o urbanismo em conjunto com uma perspectiva feminista, mais ainda com o avanço dos direitos das populações trans dos últimos anos. Na primeira etapa referida anteriormente se observa uma forte abordagem da dimensão subjetiva e identitária da questão, que depois lentamente irá se espalhar para questões políticas (reconhecimento das minorias, segurança feminina, etc.), logísticas (como organizar o espaço e os dispositivos mobiliários), artísticas (questões estéticas e discussões sobre performance), entre outras, a maioria das quais não serão abordadas no seguinte trabalho teórico (Lacan, 1966; Goffmann, 1977; Cahill, 1985; Allouch, 1987, 2003; Kogan, 1996, 2007, 2008, 2010; Cooper & Oldenzi, 1999; Bernstein Sycamore, 2004; Simone et All., 2004; Overall, 2007; Gershenson & Penner, 2009; Gersherson, 2010; Penner, 2003, 2005; Browne, 2004, Longhurst, 2003; Transgender Law Center, 2005; Transgender Law Center, 2005; Case, 2010; Preciado, 2010; Jeffreys, 2014; Kopas, 2012; Cavanagh, 2010, 2011, 2015; Blidon, 2006; More 2008; Molotch & Norén, 2010; Damon, 2009; Afacan, 2015).

Mas antes de continuar, e fazendo um breve resumo do desenvolvimento deste subcampo de estudos centrado no banheiro, é importante começar pelo aporte isolado de Lacan nos anos 60 entendendo este como o antecedente, pelo menos no pesquisado até o momento, mais remoto sobre a temática, a partir do pequeno e secundário, mas potente conceito de “segregação urinária”((Lacan publica o pequeno e conhecido artigo “L’instance de la lettre ou l’inconcient depuis Freud”, dentro da sua compilação Écrits (1966), onde vai tentar afastar a concepção do inconsciente mais conservadora (que parte de uma sorte de “anomia”) para aproximar o mesmo ao estruturalismo, onde o inconsciente se encontra sujeito a um conjunto de regras. Nesse esforço, e justamente afastando o inconsciente como o “depositário simbólico do real” vai brindar um exemplo (justamente aquele que chama de “segregação urinária”) onde uma realidade é construída a partir de uma estrutura simbólica particular.)). Daí passarão vários anos até observar uma produção coletiva desagregada no final dos 80 e começo dos anos 90((Aqui não fazemos referência mas existe uma grande produção desde os anos 70 sobre o banheiro como espaço homoerótico desde o aclamado trabalho de Laud Humphries (1970) Tearoom trade: impersonal sex in public spaces. Embora poderíamos incorporar estes à produção assinalada segundo Molotch como de “Toilet studies”, decidimos pelo volume gigante desta linha especifica, e pela impossibilidade de uma abordagem séria, deixar excluídas aquelas discussões.)) (onde destacamos a continuação lacaniana de Jean Allouch((Allouch, J. (1987). Un sexe ou l’autre, sur la ségrégation urinaire. Littoral 3-25. Paris.))), para finalmente observar uma produção sistemática e diálogos coletivos no devir do século XXI.

Neste contexto, dentro de tudo reduzido, mas igualmente significativo de estudos destinados especificamente à temática (dos chamados um pouco exageradamente por Molotch “toilet studies”) a França e o universo anglofalante (Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia) lideram a produção. Verdadeiras pioneiras e pioneiros como Terry Kogan ou Barbara Penner já nos anos 90 trabalhavam sobre a questão, para consolidar, pouco depois importantes avanços respeito à dimensão histórica do fenômeno (profundamente relacionada, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, com uma moral vitoriana que choca com um capitalismo crescente na transição do século XIX para o século XX).

Já ali observamos um deslocamento das questões mais teóricas sobre a dimensão subjetiva (trabalhadas desde os anos 60), para uma intenção mais empírica com sólidas consequências que abordaremos pouco depois.

Finalmente a discussão se abre imensamente nos últimos anos numa produção coletiva que não fica em artigos isolados, senão em trabalhos que encontram coletâneas, livros, e inclusive eventos destinados estritamente à problemática((Em 2007 se celebrou a conferencia “Outing the water closet” na Universidade de Nova Iorque, que deu lugar finalmente à influente coletânea “Public restrooms and the politics of sharing” editada por Laura Norén e Harvey Molotch em 2010.)).

O campo virou tão heterogêneo que inclusive, desde dentro do mesmo feminismo se levantaram polêmicas. As vozes do chamado feminismo TERF (Trans exclusionary radical feminist) ou TWEF (Trans women exclusionary feminist) da mão de feministas como Sheila Sheffreys (histórica crítica dos movimentos trans e queer) produziram material defendendo a “segregação urinária” argumentando a vulnerabilidade feminina nas sociedades contemporâneas((“I will argue that the ‘right to gender’ and the ‘right to gender expression’ promoted by transgender activists are problematic in themselves, and do not create a good reason to degender the bathroom. I shall suggest reasons why women have needed, both in the past and in the present, good, copious and segregated facilities suited to their needs” (Sheffreys, 2014, p. 42).)).

Apesar disso, nobreza obriga, devemos reconhecer que a produção em geral continua centrada no esforço de incorporar os novos sujeitos políticos a uma arquitetura que expressa, como um vestígio arqueológico, o deslocamento das fronteiras de gênero dos últimos anos. É que a divisão do banheiro público obedeceu no começo a um sujeito vitoriano do século XIX que pouco tem a ver com os novos sujeitos políticos surgidos nos últimos tempos. Quiçá por isso Beatriz Preciado (uma das poucas vozes em espanhol dentro do debate com muito peso nos últimos anos dentro do feminismo internacional) vai definir finalmente os banheiros públicos desde uma ótica foucaultiana como “mini-panópticos de gênero” (Preciado, 2010, p. 2).

Deste modo observamos finalmente como, embora a produção centrada nos banheiros se encontra atualmente diversificada tanto em óticas como em objetivos, a observação inicial daquela “primeira onda do feminismo arquitetônico ou geográfico” continua intacta, no sentido que a questão fundamental continua sendo compreender como o espaço, as suas divisões ou fronteiras, produz e reproduz desigualdades sociais.

Banheiros: a sedentarização das “necessidades” no século XIX

Para compreender a constituição do banheiro público contemporâneo, primeiro como materialidade arquitetônica, e logo como fronteira de gênero, é preciso observar o encontro de por um lado as tecnologias, os materiais e os paradigmas higienistas, mais o desenvolvimento do capitalismo e a moral vitoriana e burguesa do século XIX. É só a partir daquele encontro multicausal, de diversas variáveis, que finalmente os banheiros irão estruturar-se numa divisão heteronormativa, para constituir-se, um século depois, numa das fronteiras de gênero que mais espaço ocuparão no debate público.

O nodo para a compreensão do fenômeno que tentamos analisar aqui, pelo menos no mundo ocidental, se encontra na Inglaterra vitoriana que simboliza o auge da revolução industrial. Em matéria arquitetônica e urbanística, se sabe, a incorporação do cristal e do aço representaram avanços técnicos que marcariam o devir moderno. Não é por acaso que em 1851, na inauguração das Exposições Universais, se construirá o Crystal Palace de Londres((A propósito da arquitetura do aço e a emergência sintomática das exposições universais Walter Benjamin, refletindo sobre as passagens, expressará: “De ese modo se presentan los pasajes, primera realización de la construcción con hierro; así se presentan las exposiciones universales, cuyo acoplamiento con las industrias de recreo es significativo” (Benjamin, 2005, p. 50).)) para albergar “o progresso do mundo”.

Nesse contexto o esgoto e as redes de água((“Es en la segunda mitad del siglo XIX cuando nace la edad de oro de la fontanería y Europa en su conjunto aprende de la escuela inglesa”. (Tartarini, 2002, p. 77).)) começaram a aparecer logo de grandes avanços médicos em resposta, principalmente, às epidemias de cólera (que finalmente possibilitariam o nascimento da epidemiologia). Embora o médico John Snow((Cerda J.L. & Valdivia G. C. (2007) John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de la epidemiología moderna. In: Revista Chilena de Infectología. Pp. 331-334.)) vinha difundindo a sua hipótese desde 1849((“The views here explained open up to consideration a most important way in which the cholera may be widely disseminated, viz., by the emptying of sewers into the drinking water of the community (…)”. Snow, J. (1849) On the Mode of Communication of Cholera disponivel em: https://collections.nlm.nih.gov/ext/cholera/PDF/0050707.pdf.)), o mundo deverá esperar à epidemia de Londres de 1854 para chegar à conclusão de que é a água, neste caso o poço da Broad Street, o principal responsável da propagação da doença.

Não obstante, se bem Snow conseguiu o apoio político para fechar o poço e assim acabar com o brote, não chegou a convencer à comunidade científica da época que a causa da difusão da doença era o que ele chamava uma “matéria mórbida” na água. Só a partir da microbiologia de Pasteur se poderá modificar drasticamente o paradigma e a percepção da difusão das doenças((Gerorges Vigarello (1985) relata de forma magistral o deslocamento que representou a revolução bacteriológica e o novo lugar da água na higiene pública. Do «paradigma» reinante durante a maior parte da idade média onde as doenças se transmitiam pelo ar ingressando os poros, e onde a água (dilatando os poros) representava uma ameaça, se comprovou “a matéria mórbida” na água do doutor Snow, e a prática do banho começou a ocupar uma técnica higiênica como conhecemos hoje: “Lorsque, à la fin du XIXe siècle, Remplinger effectue, jour après jour, une énumération des microbes dans l’eau de son bain il montre à quel point la microbiologie pastorienne a pu transformer depuis 1870-1880, la perception du nettoiement (…). L’essentiel pourtant n’est pas dans le chiffre. Plus profondément, c’est une représentation qui importe: l’univers bactériologique, dont Pasteur a largement amorcé l’explication, transfigure l’image du lavage. L’eau efface le microbe. Le bain a un nouvel objet: faire disparaitre une présence crépusculaire [destaque nosso]. » (Vigarello, 1985, p. 217).)), descobrimentos que mudarão drasticamente as paisagens urbanas no devir da modernidade.

Paralelamente irrompe no século XIX um conceito e logo um movimento com origem na deusa grega Higía((«Um mot qui, au début du XIXe siècle, occupe une place inédite: c’est celui d’hygiène. Les manuels traitant de santé changent de titre. Tous étaient concentrés jusqu’ici sur l’ «entretien» ou la «conservation» de la santé. Tous deviennent maintenant des traités ou des manuels d’ «hygiène» Tous définissent leur terrain par cette dénomination auparavant très peu usitée.» (Guerrand, 1985, p. 182).)). Até então o que hoje chamamos de higiene não existia, e entre as práticas de “cuidado” ou “manutenção” do corpo a água apenas aprecia mais relacionada ao jogo e às práticas lúdicas e de lazer, do que de cuidado da saúde((«Il faut reprendre les scènes d’étuves au Moyen Âge et s’y attarder pour mieux évaluer les pratiques que le XVIe siècle va lentement effacer. La finalité y est d’abord le jeu, voire la transgression, l’eau y est d’abord festive. Autant dire que le lavage n’y est pas la réel signification du bain» (Vigarello, 1985, p. 37))).

Neste marco e desde final do século XVIII, observa bem Foucault, se desenvolve um novo poder político a partir dos conhecimentos médicos. É essa inovadora intervenção que modificará drasticamente a paisagem urbana((“Hablar de la historia del agua es, también, examinar la evolución del concepto de higiene urbana, desde la Gran Aldea hasta la gran metrópoli (…). Es, en suma, comprender hasta qué punto su utilización racional implicó la reestructuración total del mundo subterráneo y también aéreo, de la ciudad.” (Tartarini, 2002, p. 29).)) com o objetivo (ou pretexto) do cuidado da saúde pública ou coletiva((«(…) il faut noter (…) un (…) processus, c’est l’apparition de la santé et du bien-être physique de la population en général comme l’un des objectifs essentiels du pouvoir politique. » (Foucault, 1976, p. 15).)) que finalmente no século XIX passou do “tout à la rue” (todo para a rua) característico da idade média para o “tout-à-l’égout” (todo para o esgoto).

O movimento higienista, e as suas conquistas difundiram um novo paradigma do cuidado do corpo em grande parte ancorado no abastecimento da água. Graças à chegada das redes de água finalmente a arquitetura irá destinar um espaço específico às necessidades físicas dentro da casa. Roger-Henry Guerrand (1985), outro dos grandes referentes na matéria, relata magistralmente a chegada do “W.C. à l’interieur”. Isso porque tem que compreender-se que até o momento as práticas, ações, rituais, funções, etc., que hoje reúnem os banheiros, se encontravam disseminadas no espaço numa sorte de “nomadismo excretório”. O lixo corporal circulava em vasilhas, panelas ou pequenos potes que logo, se não voavam pela janela, chegariam à latrina do final do pátio (compartilhada por várias famílias), que deveria ser esvaziada de tempos em tempos pela “vidange”. É neste período que o banheiro se incorpora à estrutura arquitetônica do espaço doméstico como o conhecemos definitivamente hoje.

Aquelas experiências se espalharam rapidamente, e a influência inglesa não ficou só na Europa senão que chegou rapidamente a países periféricos como a Argentina (no processo modernizador, de crescimento econômico e estabelecimento do estado-nação((“Gran Bretaña, marcaba en la década de 1880 -tanto por sus emprendimientos como por sus innovaciones en materia de artefactos- el rumbo de la ingeniería sanitaria y la mayoría de los países europeos seguían sus pasos. A comienzos de la década de 1870, para el proyecto y ejecución de este vasto plan sanitario, del estudio del ingeniero inglés John F. Bateman (…) constituye una prueba de estos anhelos que recurrían a la experiencia y el saber de los países más avanzados en el tema. No obstante, fue sólo al final del siglo XIX, cuando, salvados innumerables contratiempos e interrupciones, el plan trazado comienza a dar sus primeros resultados. Precisamente en el inicio del proceso de metropolización a que se vio sometido Buenos Aires en aquellos años.”(Tartarini, 2002, p. 30).))).

Aqui, voltando momentaneamente ao começo deste trabalho com o relato de “la Monja”, podemos localizar historicamente este processo em Córdoba da transição modernizadora graças aos trabalhos de Adrián Carbonetti (2007) e María Luisa Torres Flores (2008, 2010). Graças a esses trabalhos temos uma ideia bem precisa da situação da cidade de Córdoba desde a década de 1880 até 1910, na transição do “agua vá” para o “todo al alcantarillado”, onde as grandes cidades da Argentina como Buenos Aires, Córdoba ou Rosário contavam já com grandes avanços em matéria higiênica, acompanhando a vanguarda europeia.

Mas para não continuar desviando o nosso debate, é importante compreender que é naquele momento (entre meados e final do século XIX) que os paradigmas higienistas impulsam as grandes obras de engenheira que permitiram na Inglaterra, França, Estados Unidos e inclusive na Argentina o “sedentarismo excretório” atual((“The present-day problem of restroom segregation by gender is attributable in no small measure to the curious ways in which Londoners and Parisians imagined and gave rise to toiletry provisions in city spaces. The ‘lavatory as we know it today was invented some 1000 years ago. Since the 1800’s it has changed neither its workings nor its basic shape’”(Cavanagh, 2010, p. 28).)). A experiência de “La Monja” relatada no começo deste trabalho se encontra profundamente enraizada nesta história material.

O capitalismo, a ansiedade vitoriana, e o nascimento da heteronorma excretória: o banheiro como uma fronteira de gênero situada na história

O processo anteriormente relatado se deu em conjunto com um capitalismo crescente que à vez que avançava técnica e produtivamente, criou as esferas ideológicas separadas, a partir da separação do lócus de trabalho da vivenda((“Es la tendencia inconfundible del progreso económico e industrial moderno el apartar de la casa todos los procesos de fabricación [ressaltado nosso]… Se retirará una cosa tras otra, hasta que queden solo el cocinar y el limpiar y ninguno de estos dos procesos… deja atrás de si resultados para recompensar al trabajador como lo hacían (…) el hilar, tejer, y fabricar jabón. Lo que se cocina en un momento se come en el siguiente; la limpieza de un día se debe repetir al siguiente, y la desesperación de todo esto ha penetrado profundamente en el alma de las mujeres.”(Ellen Richards citada por Lupton & Miller, 1992, p.11).)). A ansiedade da moral vitoriana neste contexto, em referência direta ao nascimento da “segregação urinária” (ou mais precisamente o nascimento dos banheiros para mulheres), é retomada de diversos modos, e poderíamos dizer com certo consenso, principalmente por Terry Kogan (2010), Barbara Penner (2001) e Sheila Cavanagh (2010), três dos mais importantes referentes dos “toilet studies”. O importante, além, dos detalhes de cada um dos olhares dos autores, pode-se sintetizar em palavras de Kogan quando pesquisa o nascimento da normativa da “segregação urinária”:

[…] the first laws mandating sexseparation of workplace toilet facilities at the end of the nineteenth century were rooted in the «separate spheres» ideology of the early century, an ideology that considered a woman’s proper place to be in the home, tending the hearth fire, and rearing children. By the end of the century, the separate spheres ideology had been filtered through the science of the realist movement, the public health concerns of the sanitarian movement, and the vision of modesty embraced by late Victorian society. Nonetheless, the legal requirement that public restrooms be sex-separated owes its origins to the early nineteenth century ideology that advocated a cult of true womanhood, a vision of the pure, virtuous woman protected within the walls of her domestic haven. (Kogan, 2010, p. 5)

Resgato em primeiro lugar e recomendo o trabalho de Terry Kogan (2010) pela potencialidade de poder estabelecer conexões claras entre o avanço do sistema de produção capitalista e a tensão estabelecida com a moral vitoriana. Essa tensão se explicita de forma particular quando se analisam os pacotes de leis trabalhistas do século XIX, onde o pensamento do movimento realista dos legisladores estadunidenses se encontra totalmente permeado pelos ideais vitorianos sobre a masculinidade e a feminidade.

O nascimento destas fronteiras (ou pelo menos da sua legislação) se pode observar, segundo Kogan, tanto no caso das bibliotecas, nos trens, como finalmente nos banheiros das fábricas dos Estados Unidos((“In the spirit of realism, legislators began to regulate public architectural spaces as a means of fostering social values. Accepting the inherent weakness of women and their need for protection, Victorian society began creating separate spaces in public facilities reserved exclusively for women. Public libraries set up separate women’s reading rooms. A «ladies’ car» reserved exclusively for women and their traveling companions became a common feature on American railroads. Separate salons for women were created in hotels, department stores, train stations, and photography studios. Even banks set up separate entrances and windows for women.” (Kogan, 2010, p. 7).)). É que nos três casos (entre alguns outros), frente à ansiedade que despertava a presença de mulheres na esfera pública, as soluções arquitetônicas representaram saídas pragmáticas para uma sociedade ocidental que à vez que atravessava grandes mudanças, não economizava contradições. Uma argumentação análoga sobre condição feminina encontramos no escândalo que representava um banheiro feminino público no caso do bairro do Camden Town de Londres relatado por Penner((“The aim of this paper is not to reconstruct one true version of the controversy rather, it is to provide a detailed account of how the decision to build an everyday object such as a public lavatory for women was implicated in producing maintaining and contesting the patriarchal power structure of late Victorian London.”(Penner, 2010, p. 35).)), ou as reflexões de Cavanagh sobre a questão em Paris e Londres no século XIX((“Eventually public toilet facilities were built for women in the late 1800’s and erly 1900’s. Althought public lavatories for women enabled the so-called ‘genteel’ sex to frequent the city streets of London and Paris for longer periods of time (and to shop, as retailer Timothy Eaton of Toronto insisted women needed to do for capitalist accumulation and profit in the early 1900’s), they functioned to create a rigid, architecturally imposed gender divide that is still with us today” (Cavanagh, 2010; 28).

“In considering tactics aimed at containing the female presence, we are now treading on familiar academic ground. As feminist historians such as Elizabeth Wilson and Judith Walkowitz have convincingly demonstrated, by the mid-to-late Victorian era, increasing female (working-class) mobility was widely regarded as a potential threat to patriarchal order and a wide variety of strategies were deployed to check it: from the production of an ideology of separate spheres which aimed to confine ‘respectable’ women to the home, to the creation of laws aimed a regulating prostitutes (i.e. the 1864 Contagious Dis eases Act), which made all women in the city streets an object of speculation.”(Penner, 2010, p. 47).)). Quiçá resulte redundante mas insistimos em que o nascimento da fronteira heteronormativa das necessidades se encontra ancorada na tensão existente entre um capitalismo em constante avanço e uma ansiedade vitoriana produto da presença feminina no espaço público.

Neste contexto como já explicitamos, e concordamos principalmente com Kogan (2010), as soluções arquitetônicas brindaram tranquilidade ao mesmo tempo que se perpetuaram até os dias de hoje. Poderíamos dizer que foram quase 150 anos de “estabilidade” classificatória, até a emergência crescente de novos sujeitos políticos, que novamente começam a transitar o espaço público e demandam, como as mulheres do século XIX, um lugar no espaço (tanto simbolicamente como materialmente).

A divisão do mundo social que levou no século XIX à criação e regulação dos banheiros femininos (e deste modo à emergência da chamada “segregação urinária”) é dizer a estabelecer uma fronteira material a partir de divisões sociais, se espalhou no mundo, inclusive na Argentina de começos do século XX, e é mantida até hoje. Os novos sujeitos políticos como “La Monja” não só acham dificuldade para o reconhecimento formal (como a emissão de documentos estatais), senão até para o seu lugar no mundo, no sentido mais elementar da expressão. É dizer as fronteiras criadas não pertencem a uma ontologia do sujeito senão a uma contingencia social e histórica, que neste sentido não só pode, senão que achamos deve mudar a partir do momento em que funciona como um elemento de exclusão social, como comprovamos no relato do começo. Aqui se permitirmos continuar a analogia com as fronteiras dos estados nação, gostaríamos emparentar a figura do/a migrante com a do/a trans. E é que esses sujeitos políticos fazem explorar a união entre classificação e identidade: tanto o/a migrante desestabiliza a identidade nacional como o/a trans desestabiliza a identidade de gênero. É que, como expressa Sayad((“« personnes déplacées », dépourvues de place appropriée dans l’espace social et de lieu assigné dans les classements sociaux. Comme Socrate, l’immigré est atopos, sans lieu, déplacé, inclassable. Rapprochement qui n’est pas là seulement pour ennoblir, par la vertu de la référence. Ni citoyen ni étranger, ni vraiment du côté du Même ni totalement du côté de l’Autre, l’« immigré » se situe en ce lieu « bâtard » dont parle aussi Platon, la frontière de l’être et du non-être social.” (Sayad, 1991, p. 5))), sem estar totalmente do lado do “outro” nem totalmente do lado do “mesmo”, o/a migrante (e ou o/a trans) detonam a ordem classificatória imperante. Quiçá, podemos arriscar, é esta a justificativa das violências experimentadas nas fronteiras (nacionais e de gênero). O “gringo pizza” é ao funcionário fronteiriço o que “La Monja” é ao migrante “ilegal”: dois status sociais (legítimo/ilegítimo) que se reforçam à mesma vez que justificam a ordem.

Reflexões finais

Observa-se assim um processo de constituição crescente dos “toilet studies”, fundamentalmente a partir do começo do novo século. Nesse marco resgatamos as perspectivas que situam a gênese ou nascimento da “segregação urinária” ancorada na tensão entre o avanço do sistema capitalista e a moral da era vitoriana em países como Inglaterra e os Estados Unidos, para refletir finalmente no caso argentino.

Visto assim os banheiros emergem como fronteiras de gênero surgidas num momento particular da história que, anacrônicos, funcionam ainda hoje num universo social que muda a partir da emergência de novos sujeitos políticos. Neste marco a violência exercida não é aleatória. As forças sociais detrás do estupro, detrás do HIV, e por trás da prisão parecem estar ligadas à manutenção, a produção e reprodução, das divisões (ou fronteiras) que mantem uma ordem classificatória arbitrária e violenta do século XIX.

 

Bibliografia

Afacan, Y. (2015). Public toilets: an exploratory study on the demands, needs, and expectations in Turkey, Environment and Planning B: Planning and Design, volume 42, p. 242 – 262.

Allouch J. (2003). Abord Psychanalytique de l’hétéronormativité. Exposé dans le cadre de la manifestation Citéphilo, à Lille. Disponível no site oficial de Jean Allouch; Acesso em 15 de agosto de 2017: http://www.jeanallouch.com/pdf/210.

Allouch J. (S/D). Le lieu de l’initiation. Publié sur le site officiel de Jean Allouch; Acesso em 12 de julho de 2017: http://www.jeanallouch.com/pdf/204.

Allouch, J. (1987). Un sexe ou l’autre, sur la ségrégation urinaire. Littoral, p. 3-25.

Benjamin, W. (2005). El libro de los Pasajes. Buenos Aires: Akal.

Berkins, L. (2003). Un itinerario politico del travestimo. Maffia, D. (coord.) Em: Sexualidades migrantes género y transgenero (p. 127-137). Feminaria editora. Buenos Aires.

Blidon, M. (2006). La dernière tasse. Espaces Temps. net, Association Espaces Temps.net, 2005. Acesso em 15 de agosto de 2017 : https://www.espacestemps.net/articles/la-derniere-tasse/

Browne, K. 2004. “Genderism and the Bathroom Problem: (re)materialising sexed sites (re)creating sexed bodies.” Gender, Place and Culture 11(3), p. 331-346.

Cahill, S. (1985). Meanwhile Backstage: Public Bathrooms and the Interaction Order.

Case, M. A. (2010). Why Not Abolish Laws of Urinary Segregation?. Toilet: Public restrooms and the politics of sharing, p. 211-225.

Cavanagh, S. L. (2010). Queering bathrooms: Gender, sexuality, and the hygienic imagination. University of Toronto Press.

Cavanagh, S. L. (2011). You are where you urinate. The gay and lesbian review, 18(4), p. 18-20.

Cavanagh, S. L. (2015). Trans performance ethnography: queer bathrooms stories as case study. Keynote given at the sexuality Studies Association meeting of SSHRC Congress, June 3, 2015, University of Ottawa, Canada.

Colomina, B. (1991). Sexuality and space. Princeton Arquitectural Press: Princeton.

Cooper, P., & Oldenziel, R. (1999). “Cherished Classifications: Bathrooms and the Construction of Gender/Race on the Pennsylvania Railroad During World War II.” Feminist Studies 25(1), p. 7-41.

Crenshaw, K. (1989). Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, Vol. 1989: Iss. 1, Article 8.

Damon, J (2009). Les toilettes publiques : un droit à mieux aménager. Droit social, n° 1, 2009, p. 103-110.

Fassin, E. (2008). L’empire du genre. L’histoire politique abigüe d’un outil conceptuel. L’homme, 2008/3-4, n° 187-188. p. 375-392. Éditions de l’EHESS. Paris.

Foucault, M. (1976). La politique de la santé au XVIIIe siècle, Les Machines à guérir, Aux origines de l’hôpital moderne; dossiers et documents, Paris, Institut de l’environnement, 1976, p. 11-21.

Gershenson, O. (2010). The restroom revolution: Unisex toilets and campus politics. In Harvey Molotch, & Laura Noren (Eds.), Unisex toilets and campus politics. Toilet: Public Restrooms and the politics of sharing. NYU Press. New York.

Gershenson, O., & Penner, B. (2009). Ladies and gents: Public toilets and gender. Temple University Press.

Goffman, E. (1977). The Arrangement between the Sexes Theory and Society, Vol. 4, No. 3. , pp. 301-331.

Jeffreys, S. (2014). The politics of the toilet: A feminist response to the campaign to ‘degender’a women’s space. In Women’s Studies International Forum (Vol. 45, p. 42-51). Pergamon.

Kogan, T. S. (1996). Transsexuals and Critical Gender Theory: The Possibility of a Restroom Labeled Other. Hastings LJ, 48, 1223.

Kogan, T. S. (2007). Sex-separation in public restrooms: Law, architecture, and gender. Mich. J. Gender & L., 14, p. 1.

Kogan, T. S. (2008). Transsexuals in public restrooms: Law, Cultural geography and etsitty v. Utah transit authority. Temp. Pol. & Civ. Rts. L. Rev., 18, 673.

Kogan, T. S. (2010). Sex separation. The Cure-All for Victorian Social Anxiety. In chapter politics of sharing.

Kopas, M. (2012). The Illogic of Separation: Examining Arguments About Gender-Neutral Public Bathrooms (Doctoral dissertation, University of Washington). Acesso em 12 de julho de 2017: https://digital.lib.washington.edu/researchworks/bitstream/handle/1773/20296/Kopas_washington_0250O_10083.pdf?sequence=1.

Lacan J. (1966). L’instance de la lettre dans l’inconscient ou la raison depuis Freud. Em: Écrits (p. 237-322) Le Seuil. Paris.

Longhurst, R. (2003). Bodies: Exploring fluid boundaries (Vol. 11). Psychology Press.

Molotch, H., & Norén, L. (Eds.). (2010). Toilet: Public restrooms and the politics of sharing. NYU Press.

More, A. (2008). Coming out of the water closet: the case against sex segregated bathrooms. Texas Journal of Women and the Law Volume 17, p. 297-315.

Penner, B. (2001). A World of Unmentionable Suffering: Women’s Public Conveniences in Victorian London. Journal of Design History, Vol. 14, No. 1 (2001), p. 35-51.

Penner, B. (2005). Researching female public toilets: Gendered spaces, disciplinary limits. Journal of International Women’s Studies, 6(2), p. 81-98.

Penner, B., Borden, I., & Rendell, J. (Eds.). (2003). Gender space architecture: An interdisciplinary introduction. Routledge.

Preciado, B. (2010). Basura y género. Basura y género. Mear/cagar. Masculino/femenino. Disponível em: http://www.iztacala.unam.mx/errancia/v0/PDFS/POLIETICAS%20DEL%20CUERPO%201%20BASURA%20Y%20GENERO.pdf : Acesso em 12 de julho de 2017.

Sayad, A. (1991). L’imigration ou les paradoxes de l’altérité. Paris: Raisons d’agir.

Simone, C., Kafer, A., Quizar, J., & Richardson M. (2004). “Calling All Restroom Revolutionaries!” p. 216-229 in That’s Revolting! Queer Strategies for Resisting Assimilation, edited by Mattilda Bernstein Sycamore. Brooklyn, NY: Soft Skull Press.

Snow, J. (1849). On the Mode of Communication of Cholera. Acesso em 15 de agosto de 2017: https://collections.nlm.nih.gov/ext/cholera/PDF/0050707.pdf.

Sullivan, L. (1896). The Tall Office Building Artistically Considered. Lippincott’s Magazine (March 1896), p. 403-409.

Tartarini, J. (2002) 1880-1930 La ciudad cosmopolita. Aguas Argentinas (Coord.) Em: Buenos Aires y el agua. Memoria, higiene urbana y vida cotidiana (p. 30-87). Aguas Argentinas. Buenos Aires

Transgender Law Center (2005). “Peeing in Peace: A Resource Guide for Transgender Activists and Allies. Urban Life 14(1), p. 33-58. Disponível em:  http://translaw.wpengine.com/wp-content/uploads/2012/05/94930982-PIP-Resource-Guide.pdf Acesso em 12 de julho de 2017.

 

Para citar este artículo: Páez, J. (2018). Banheiros públicos: fronteiras do gênero. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, pp. 94 – 110. Recuperado en https://iberoamericasocial.com/banheiros-publicos-fronteiras-do-genero/

¡SUSCRÍBETE A NUESTRO BOLETÍN!

Te prometemos por la justicia social que nunca te enviaremos spam ni cederemos tus datos.

Lee nuestra política de privacidad para más información.

Deja una respuesta

Tu dirección de correo electrónico no será publicada. Los campos obligatorios están marcados con *