Tem chovido muito desde aqueles meses de meados de 2013, nos quais os esboços idealistas e sonhadores de um projeto acadêmico integrador e intercultural foram apontados nas noites tórridas de Salvador de Bahia. Em agosto daquele ano nascemos como uma ilusão, na qual só tínhamos um punhado de ideias e muita vontade de trabalhar. Em dezembro do mesmo ano conseguimos o primeiro número, sendo semestralmente fiéis desde então com novas publicações, em um exercício de aprimoramento que vai sendo materializado em qualidade e na excelência acadêmica, mas que não perdeu nem um pouco de seu interesse crítico com uma hegemonia que vive na especulação e que é centrada no ocidente. Esta, que reina na Academia. Por isso, queremos recuperar aqui uma das primeiras tentativas de definir a Revista-Red Iberoamérica Social, incluída nas linhas iniciais do primeiro número editorial:
Não é apenas mais uma revista acadêmica, é também uma rede de criadores e disseminadores de conhecimento no campo dos estudos sociais. Uma rede transoceânica que conecta um mundo relacionado mas que, por sua vez, como Eduardo Galeano diria: «está grávida de mundinhos» (IS, 2013, p.5).((Tradução livre do original em idioma castelhano.))
Esta situação é visível na diversidade de autores e de temas com que a revista vem sendo construída, ao longo de cinco anos, assim como nos seus interesses teóricos e metodológicos, que ainda que revelassem perspectivas que buscavam discutir aspectos mais globalizantes – ainda que sob alcunhas alardeadas como ibero-americanas -, frequentemente partiam de análises e contextos bastante localizados.
Os exemplos localizados estão espalhados por praticamente todos os territórios da Iberoamérica, sejam territórios reconhecidos ou não formalmente enquanto estados nacionais, incluindo análises comparativas ou mesmo regionais. Em algumas abordagens ultrapassamos os limites geográficos da Iberoamérica, como ao incluir abordagens focalizadas no sul mundial, nos países da Europa do Sul e do norte da África ou mesmo completamente focados em países terceiros, como os Estados Unidos da América e o Canadá.
As nacionalidades, assim como a localização geográfica dos nossos colaboradores e das instituições a que estão vinculados, atravessam inúmeros estados nacionais, línguas e áreas de estudo. Há jornalistas, educadores, historiadores, antropólogos, sociólogos, artistas, além de intelectuais e pensadores livres que transbordam atividades como ativistas políticos, estudantes, pesquisadores ou professores. Sem a presença de todas essas mentes e corpos nesse longo período, o projeto dificilmente continuaria a existir sob o modelo que mantemos. Em alguns casos, surgiram prioridades pessoais ou dificuldades que reduziram sua participação no projeto, mas com a garantia de que a marca de cada um deles é visível e está registrada em nossa história. As contribuições da equipe são bastante diluídas e distribuídas entre a revista e a web, sendo casos raros em que assincronamente não se cruzem nos diferentes espaços. As participações de alguns desses atores são quase invisíveis aos olhos destreinados do meio dito acadêmico, como as dezenas de revisores que participam anonimamente em cada número da revista. Em outros espaços, o contato depende do acesso mais frequente ao nosso portal ou redes sociais, como é o caso da rede de bloggers, para poder perceber e reconhecer quem está lá.
Ainda que a proposta denominada como Iberoamérica Social seja muito superior aos limites que uma revista científica acaba por impor – e aqui destacamos a ocupação de redes sociais, o uso de blogs e a disseminação de textos e opiniões em outras plataformas digitais – nossa aproximação irá versar principalmente sobre a revista científica homônima. O pensamento latino-americano, assim como a filosofia latino-americana
é uma das criações maiores da humanidade em termos de sistematização do pensamento, por sua profundidade e riqueza. Mas isso, que já sabemos ser indiscutível, nos leva a outra conclusão confirmada de similar gabarito: assim como é uma filosofia «oceânica», um oceano de autoras e autores, sabedorias, etc. é também das mais ignoradas (injustamente em nossa leitura), uma das mais marginalizadas, esquecide (Morollón del Río, 2013, p. 41).((Tradução livre do original em idioma castelhano.))
E humildemente buscamos participar de uma revisão deste injusto esquecimento com a proposta de rede e revista que aqui são chamados de Iberoamérica Social. Seja com entrevistas, textos de colunistas e em dossiês, além dos artigos com temática livre, ou mesmo as resenhas de livros, exposições fotográficas e apresentações de projetos que aparecem nas nossas miscelâneas. Nós temos aberto espaços para veteranos e especialistas acadêmicos tentando sempre lançar as visões mais heterogêneas e heterodoxas. Mas também nos esforçamos para conceder espaço, com orientação e assessoria, aos neófitos pesquisadores que, com grandes ideias e propostas, precisavam de uma motivação e de uma metodologia de trabalho particular, que a imensa maioria das revistas científicas não oferece, tornando do mundo acadêmico, um mundo ainda menos acolhedor e obscuro do que já é.
Há dois anos atrás, nós desenvolvemos um artigo com as bases teóricas sobre as quais fundamos a Iberoamérica Social. O anarquismo epistemológico, a ecologia do conhecimento e o projeto decolonial foram estabelecidos como um farol que orientaria nosso projeto e com o qual pretendemos romper as limitações epistemológicas e as relações hegemônicas existentes entre as diferentes formas de acesso e criação de conhecimento. E nada melhor para demonstrar nossa coerência teórico-prática do que as dez edições publicadas e seus 80 artigos, sob esses princípios orientadores.
Os textos são majoritariamente escritos em língua hispânica, sendo frequentes os textos em português e um ou outro em inglês. Já passamos por temas tão amplos e vastos como o capitalismo, o campesinato, o desenvolvimento social, assim como temas mais contemporâneos e ainda em discussão, como as filosofias e pensamentos latino-americanos, a igualdade de gênero, o uso da tecnologia e da internet pelos movimentos sociais, assim como tentamos entender como as estruturas de poder que afetam desde as tentativas de reformas agrária e educacional até o impedimento de construção de políticas públicas adequadas de saúde e segurança.
Com este número, recuperando o tema do primeiro e adaptado às conjunturas do mundo após cinco anos, pretendemos fechar uma primeira etapa na Iberoamérica Social em que sempre procuramos observar a dura realidade deste mundo ultra-capitalizado, através do caleidoscópio da genialidade humana, expressa através de sua pluralidade e sua identidade resiliente que fundamenta as comunidades que a povoam e que a interpretam de acordo com essa mesma pluralidade.
É assim que estamos, cinco anos depois de nosso primeiro número publicado. Continuamos observando como o neoliberalismo tenta abraçar, para engolir, o sul do mundo. O nosso mundo. Esperamos que este número permita, não apenas continuar com nossa modesta proposta e pequena colaboração para fugir deste abraço, como, se for possível, amputar estes pesados e grossos tentáculos. Se possível em definitivo.
Referências bibliográficas
IS, Iberoamérica Social (2013). Editorial. Revista Iberoamérica Social. Ano 1, nº 1, pp. 5-7. Último acesso realizado em 15 de junho de 2018, disponível online em: https://iberoamericasocial.com/editorial-num-1/.
Morollón del Río, D. (2013). Un globo sonda: ideas filosóficas, latinoamericanas y caribeñas, para la situación española (y de la Europa del sur) actual. Revista Iberoamérica Social. Ano 1, nº 1, pp. 38-51. Último acesso realizado em 15 de junho de 2018, disponível online em: https://iberoamericasocial.com/un-globo-sonda-ideas-filosoficas-latinoamericanas-y-caribenas-para-la-situacion-espanola-y-de-la-europa-del-sur-actual.