downloadPaulo Cesar Gomes 
Doutorando em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)
pcgomesb@gmail.com

Resumo: O golpe militar de 1964 não prejudicou as relações políticas franco-brasileiras. Contrariamente, a chegada de um novo grupo ao poder foi vista pelas autoridades francesas como um sinal de maior estabilidade na política brasileira. Para eles, tudo parecia apontar para uma melhoria das relações bilaterais. Embora a intervenção militar tenha sido vista, de início, com alguma desconfiança, logo após a eleição de Castelo Branco, o novo regime, que aparentemente teria uma curta duração, foi reconhecido pelo governo francês. Mesmo que as relações econômicas e comerciais franco-brasileiras não representassem uma área prioritária para nenhum dos dois países, os modelos culturais franceses sempre foram cruciais para a formação das elites nacionais. Houve um empenho constante por parte das autoridades brasileiras para que as relações com aquele país não fossem afetadas pela conjuntura interna. Nesse sentido, o Itamaraty, por meio de sua representação diplomática em Paris, exerceu um papel fundamental no que concerne à preservação da imagem brasileira na França. Naquele contexto, os diplomatas brasileiros estiveram empenhados em impedir a divulgação de notícias sobre as práticas repressivas do regime militar e, ao mesmo tempo, esforçavam-se continuamente para propagar um quadro positivo do governo brasileiro, que não deveria, em hipótese alguma, ser identificado como um regime autoritário.

Palavras-chave: golpe civil-militar, ditadura militar brasileira, França, repressão, exílio.

Abstract: The military 1964 coup d’Etat did not damage the Franco-Brazilian political relations. On the contrary, the arrival of a new group to power was seen by the French authorities as a sign of increased stability in Brazilian politics. For them, everything seemed to point to an improvement in bilateral relations. Although military intervention has been seen at first with suspicion, soon after Castelo Branco election, the new regime, which apparently would have a short duration, was recognized by the French government. Even if the economic Franco-Brazilian relations did not represent a priority area for either of them, the French cultural models have always been crucial for the formation of Brazilian national elites. There was a constant commitment by the Brazilian authorities that the relations with that country were not affected by the internal political environment. In this sense, the Brazilian Foreign Ministry, through its diplomatic representation in Paris, played a key role regarding the preservation of the Brazilian image in France. In that context, Brazilian diplomats were engaged in preventing the dissemination of news about the repressive practices of the military regime and at the same time, struggled continuously to spread a positive picture of the Brazilian government, which should not, under any circumstances, be identified as an authoritarian regime.

Keywords: civil-military coup d’Etat, Brazilian military dictatorship, France, repression, exile.

 

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os vínculos entre o Brasil e a França, tanto políticos, quanto econômicos e culturais, encontravam-se bastante frágeis, após passarem por um processo de enfraquecimento durante a contenda. Até às vésperas do golpe de 1964, as tentativas de restabelecimento das relações bilaterais, levadas a efeito por diplomatas de ambos os países, pouco frutificaram. Não havia disposição para o diálogo, as duas nações não se reconheciam como parceiras e houve uma forte tendência para o embate. Em linhas gerais, durante aproximadamente vinte anos, as relações políticas franco-brasileiras estiveram centradas na administração de conflitos. De fato, o Brasil nunca representou uma área economicamente ou comercialmente prioritária para a França. Em contrapartida, mesmo com a crescente importância que os Estados Unidos passaram a assumir para o Brasil após a Guerra, a França jamais deixou de figurar como o principal modelo cultural das elites brasileiras. Um país, símbolo de elegância e sofisticação, onde os grupos sociais mais abastados iam comumente passear, estudar ou mesmo buscar cuidados médicos. Além disso, a imagem da França, berço da Revolução Francesa, sempre esteve ligada à ideia de democracia, tendo cumprido “as principais etapas de construção de um Estado moderno” (Carelli, 1994, p. 34).

Em tempos de Guerra Fria, a perda de seu império colonial trouxe muita instabilidade para a IV República francesa. A crise estimulou a criação de uma nova agenda para as relações bilaterais com os países do chamado Terceiro Mundo. A política externa do general de Gaulle, já na V República, pautou-se em um pretensioso projeto de cooperação internacional fundamentado na “promoção dos vínculos culturais e da francofonia” (LESSA, 2000, p. 54). O país buscou apresentar-se como um interlocutor para os Estados que pretendessem assegurar sua independência nacional face à hegemonia norte-americana. A intenção era denunciar o maniqueísmo das configurações ideológicas da Guerra Fria e definir-se como uma espécie de terceira força da política mundial. Essa perspectiva nacionalista norteou a política externa francesa ao longo de praticamente todo o século XX. A estratégia, contudo, nunca chegou a alcançar grande êxito. As condições históricas eram outras. O país tinha altos índices de inflação, havia dificuldades para estabilizar a economia e aconteciam greves constantes nas indústrias e nos setores públicos. Em suma, os franceses não sabiam lidar com o avanço da presença norte-americana em todo o mundo e, ao mesmo tempo, com o forte recuo da cultura francesa, fator sobre o qual se baseavam a maior parte de suas parcerias internacionais (LESSA, 2000). A diplomacia francesa tem como traço marcante o investimento em uma política de trocas culturais institucionalizadas, sendo a França pioneira “na utilização de sua cultura como instrumento de política externa, pois ela vê muito cedo nesse recurso um meio de compensar suas fragilidades econômicas e de conservar seu status de grande potência” (Frank, 2012, p. 375).

Em 1964, um relatório foi preparado pela Embaixada brasileira em Paris para ser entregue ao diplomata Antônio Mendes Viana, que viria a ocupar o cargo de embaixador (1964-1966), a partir de agosto daquele ano. O documento tratava do situação das relações entre os dois países até aquele momento e colocava em evidência a perspectiva brasileira sobre aquela configuração histórica:

A França não reúne condições para contrapor-se, de modo positivo, à presença estadunidense na América Latina. Os meios a seu alcance, nesse setor, são restritos. A situação se modificaria, talvez, se a Comunidade [Econômica Europeia] encarasse com maior seriedade a eventualidade de canalizar parte apreciável de seus recursos para aquela região. Por enquanto, as contribuições são bastante reduzidas e não se divisam melhores perspectivas.[1]

Em contrapartida, em setores como o do fornecimento de assistência militar, a França sempre buscou, durante o século XX, substituir os Estados Unidos na América do Sul (Araújo, 2011).

Seja como for, a sequência de eventos desastrosos relacionados aos conflitos bilaterais, levou o presidente João Goulart, por recomendação do Itamaraty, a convidar o general Charles de Gaulle para visitar oficialmente o Brasil em 1964. A carta enviada ao presidente francês acabou servindo como um pedido de desculpas ao lamentar “as declarações feitas por pessoas não autorizadas” (Baeyens, 1975, p. 298). O convite foi aceito, uma viagem de três ou quatro dias foi agendada para o mês de outubro do mesmo ano, e o clima entre os dois países passou a ser mais amigável. Goulart também foi convidado para visitar oficialmente a França e teria programado a sua viagem para o mês de abril.

Nos meses seguintes, o Brasil viveria sérias conturbações políticas, que culminaram no golpe de Estado civil-militar. Esse cenário não passou despercebido na França. O famoso comício que seria realizado por João Goulart, no dia 13 de março daquele ano, em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, foi noticiado pelas edições do dia 11 dos jornais Le Monde, Le Figaro e Le Combat. Os recortes das matérias foram enviados pela Embaixada ao Itamaraty acompanhados de um comentário de Raul de Vincenzi, no qual destacava a “manifestação de apoio à política do Presidente João Goulart” por parte daqueles periódicos. O jornal Le Monde, especificamente, alertava para uma ofensiva dos conservadores contra a esquerda e o presidente.[2] Já a edição de Le Combat do dia seguinte trazia uma matéria sobre os projetos de Goulart para a questão agrária e afirmava, de acordo com a transcrição do diplomata, que “o comício do dia 13 de março poderá ser marco relevante no processo de democratização do estatuto rural no Brasil, abrindo nossas vistas à conscientização reformista e superando os obstáculos parlamentares, de ordem conservadora”.[3] No dia 19 de março, Le Monde publicou um editorial intitulado “Virada à esquerda no Brasil”,[4] no qual analisava as implicações do comício no cenário político brasileiro. Para o jornal, que possuía uma visão bastante otimista com relação ao governo de Goulart, “a batalha que levam alguns líderes conservadores contra a transformação das estruturas brasileiras parece perdida de antemão”,[5] com ênfase para a mensagem que o presidente havia transmitido ao Congresso Nacional, na qual afirmava estar decidido a renovar a sociedade brasileira. Mais tarde, após o golpe, os diplomatas brasileiros seriam orientados a interceder junto a determinados veículos da imprensa francesa e ao governo daquele país para tentar moderar o tom de crítica adotado por esses jornais, os quais passaram a expressar grande frustração com os rumos que a política brasileira havia tomado.

Todo esse movimento também foi observado pela Embaixada francesa no Rio. O encarregado de negócios Jean-Paul Anglès, que cumpria as funções de embaixador desde a partida de Jacques Baeyens, no entanto, não via o cenário político brasileiro com o mesmo entusiasmo dos principais jornais franceses. Pelo contrário, para Anglès, Goulart não controlava bem a situação, não era confiável e tampouco “representava realmente algo de muito durável no Brasil”.[6] Em um telegrama enviado ao Quai d’Orsay no dia 16 de janeiro de 1964, Anglès explicitava sua percepção da conjuntura brasileira de modo ainda mais enfático:

Essa grave carência de poder se explica em parte pela pessoa do chefe de Estado: de um nível de cultura medíocre […] e sem grande senso de interesse geral, o presidente Goulart é apenas um político brasileiro extremamente hábil, não é um estadista. Os aspectos negativos de sua personalidade, no entanto, são compensados por certa forma de orgulho que o torna sinceramente desejoso de marcar a sua passagem pela Presidência com algumas grandes realizações. […] Infelizmente, João Goulart é impaciente, seu mandato lhe parece curto e ele quer resultados rápidos.[7]

O emblemático comício do dia 13 de março foi visto por Anglès como uma mensagem de desprezo de Goulart pelo Congresso Nacional. Uma tentativa de pressionar essa instituição a aprovar as reformas de base ou mesmo de realizá-las à força, ignorando o papel do Parlamento. Para o diplomata, o comício dava margem à interpretação de que se tratava do início de um golpe de esquerda, temido por vários grupos conservadores havia algum tempo, embora, para ele, Goulart não parecesse ter escolhido a via revolucionária. O presidente defendia reformas profundas, porém pacíficas. De todo modo, a manifestação havia sido um grande sucesso para Goulart, que usara a ocasião para mostrar ao país o apoio que lhe davam as massas populares. Até aquele momento, segundo o observador francês, os setores de oposição não demonstravam qualquer reação ou mesmo sinais de que pretendiam se organizar,[8] o que foi um evidente equívoco de sua análise, pois a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade ocorreria logo em seguida, no dia 19 de março, que, movida pelo “medo do comunismo”, teria sido “a maior manifestação política jamais vista no Brasil”.[9]

Entretanto, nem todas as manifestações de esquerda eram vistas da mesma maneira pelo diplomata, já que ele elogiava o trabalho que Miguel Arraes vinha fazendo para o desenvolvimento da região Nordeste, pois, segundo ele, “em todos os países há coisas que se faz bem ou mal, qualquer que seja a filiação política”.[10] Em documento enviado ao Quai d’Orsay no início de março de 1964, quando o mandato de Arraes completava um ano, Anglès fazia elogios bastante eloquentes ao governador de Pernambuco. Mesmo estando à frente de um dos estados brasileiros mais marcados pelo subdesenvolvimento e pela miséria, Arraes vinha alcançando resultados muito importantes em sua administração, fazendo com que ele se projetasse não apenas na região Nordeste, mas possibilitando-o exercer um papel de destaque no cenário político nacional nos anos seguintes. Em apenas um ano e apesar das críticas contundentes de grupos conservadores, Arraes havia conseguido modificar o clima político e social de seu estado, agindo sempre dentro da legislação vigente. Entre as medidas destacadas pelo diplomata estavam o estabelecimento de um salário mínimo obrigatório para os trabalhadores rurais, a utilização da polícia de modo racional e não mais de acordo com os interesses dos grandes proprietários de terras e, também, um audacioso plano de alfabetização em massa, que já vinha apresentando resultados positivos.[11]

Após o sucesso algo inesperado da primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, muitas outras foram organizadas por todo o Brasil (PRESOT, 2004). O clima político do país passou a ficar cada vez mais agitado e isso gerava apreensão nos meios diplomáticos. De acordo com o cônsul-geral da França em São Paulo, Geoffroy de la Tour du Pin, a Grã-Bretanha já teria enviado um plano de proteção e mesmo de evacuação de famílias britânicas em caso de problemas graves. O mesmo teria feito o governo dos Estados Unidos. Já o cônsul francês informou ao Quai d’Orsay que a única medida tomada por ele era recomendar aos seus compatriotas que deixassem os tanques de combustível de seus veículos completos, armazenassem água e estocassem certa quantidade de alimento, sobretudo se tivessem crianças em casa.[12]

A França e o golpe de 1964

Desde os primeiros momentos após o golpe, os assuntos ligados às relações internacionais alcançaram um enorme prestígio. Para os militares, era de grande importância que o novo regime fosse reconhecido pelos demais Estados e, principalmente, que não fosse visto como uma ditadura. Além disso, a política externa era considerada por eles como um meio que permitiria a realização de projetos considerados estratégicos como, por exemplo, colocar o país em uma posição mais elevada no sistema internacional e até mesmo transformá-lo em uma grande potência mundial. Nesse sentido, o Itamaraty, enquanto principal instituição formuladora e executora da política externa brasileira, ocupou um papel fundamental ao longo de toda a duração do regime militar, embora atuasse em conjunto com as Forças Armadas quando lidava com temas relativos à segurança nacional (Gonçalves & Myiamoto, 2006). Há que se ressaltar, no entanto, que uma mudança de regime político em um país não significa necessariamente uma alteração dos princípios ideológicos de sua política externa e, do mesmo modo, a política externa de um Estado pode ser modificada sem que isso implique na instituição de um novo regime (Pinheiro, 2004).

Às vésperas do golpe de Estado que tirou João Goulart da Presidência da República, as relações franco-brasileiras encontravam-se em um processo de reconstrução. Foi, portanto, no início do governo de Castelo Branco que se buscou solucionar todas as pendências ainda existentes entre os dois países. Antes da chegada do general de Gaulle ao Brasil, uma missão negociadora foi enviada a Paris pelo Itamaraty para concluir a resolução do contencioso financeiro.[13] Decerto, a finalidade era reverter a contrariedade que o modo de atuação do Brasil diante dos conflitos com a França havia causado àquele país, colaborando, assim, para melhorar a imagem brasileira no exterior. Como vimos, no momento do golpe nem a representação francesa no Brasil e nem a brasileira na França tinham um embaixador à sua frente, o que era resultado dos atritos decorrentes da chamada Guerra da Lagosta.

Poucos meses antes da intervenção militar, a perspectiva passada pela Embaixada francesa ao Quai d’Orsay era a de que, embora a conjuntura política brasileira estivesse bastante conturbada, as eleições presidenciais deveriam ocorrer normalmente no final de 1965. De acordo com o órgão, a hipótese de um golpe de Estado de direita, mesmo que possível, começava a se enfraquecer, pois o Exército tradicional vinha perdendo sua força ao ver homens ligados a Goulart e, portanto, partidários de uma esquerda nacionalista, colocados em postos-chave da instituição. Sendo assim, para Jean-Paul Anglès, o risco de um golpe de Estado viria muito mais da parte do próprio Goulart, que aparentava desejar uma ditadura de esquerda para impor reformas e, talvez, uma revisão constitucional que fortalecesse o seu poder e prolongasse o seu mandato ou mesmo permitisse a sua reeleição. Teria sido essa a sua tentativa ao solicitar ao Congresso Nacional a aprovação do estado de sítio e também quando elaborou um projeto de reforma agrária. Iniciativa que previa a expropriação de terras situadas na proximidade de rodovias federais para a utilização social, além do estabelecimento de um convênio com as Forças Armadas para que essas terras fossem as responsáveis pela execução das desapropriações.[14] Essas medidas geraram, por exemplo, reações violentas dos grandes proprietários fundiários de Minas Gerais, entre os quais vários coronéis aposentados da Polícia Militar, que estariam dispostos a lutar por todos os meios para impedir a aplicação da reforma agrária.[15]

O próprio Serviço de Documentação Exterior e de Contraespionagem (SDECE), órgão francês de inteligência no estrangeiro, em nota de caráter secreto, informava ao então primeiro-ministro, Georges Pompidou, de que a real intenção de Goulart era tornar-se um ditador socialista marxista-leninista, utilizando a seu favor a revolta dos sargentos.[16] O presidente brasileiro estaria tentando desesperadamente conservar seu posto, mesmo que a Constituição brasileira não permitisse a reeleição.[17] O discurso proferido por Goulart na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, no dia 30 de março, apenas confirmaria essa perspectiva.[18] Segundo esse mesmo órgão, no entanto, o Brasil corria um sério risco de colapso econômico e financeiro e apenas uma ditadura econômica rigorosa poderia sanar a situação.[19]

Como sabemos, o golpe não partiu de Goulart. 

A repercussão da intervenção militar na imprensa francesa incomodou sobremodo o Itamaraty. A Embaixada de Paris enviava os recortes de todos os jornais que tratavam da situação política do Brasil.[20] O golpe havia repercutido, segundo o diplomata Raul de Vincenzi, em todos os jornais franceses, incluindo os populares. O diretor do jornal Le Monde, Hubert Beuve-Méry, publicou, na edição do dia 4 de abril, um editorial intitulado “A Ordem contra o Progresso”, que dizia: “A legalidade de ontem toma a forma de uma vasta e tenebrosa conspiração comunista, enquanto a rebelião aparece como uma impressionante manifestação do patriotismo e da legalidade”.[21] Além disso, o correspondente no Brasil do referido veículo, o jornalista Irineu Guimarães, bem como o correspondente de Le Figaro, Daniel Garric, adotaram posições bastante críticas sobre a intervenção militar. Eles, de acordo com Raul de Vincenzi, buscavam contestar o fundamento legal da chamada “revolução” e duvidavam de seus propósitos democráticos. A atitude dos militares foi vista por esses jornais como uma reação da direita contra os avanços sociais propostos pela esquerda e a aplicação do rótulo genérico de “comunista” a qualquer opositor foi duramente criticada. Em uma carta-telegrama do dia 8 de abril de 1964, Raul de Vincenzi chamou atenção para a substituição do citado correspondente de Le Figaro por Max Olivier-Lacamp e ressaltou que este teria uma orientação ideológica diferente daquele, isto é, até aquele momento, não havia se posicionado de maneira crítica perante a situação política brasileira ao avaliar o processo da eleição presidencial.[22] Ainda de acordo com Raul de Vincenzi, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Maurice Couve de Murville, teria criticado a influência norte-americana sobre o Brasil, no entanto, logo em seguida, o Quai d’Orsay teria desmentido as suas palavras.[23] Cabe ressaltar que o antiamericanismo francês, nascido nos anos 1930 nos meios de extrema-direita, passara a fazer parte da vida política e cultural daquele país. Em meados dos anos 1960, aproximadamente a partir da intervenção dos Estados Unidos no Vietnam, essa tradição ganhou ainda mais força (Garot, 1994).

Logo após o golpe, o novo ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, enviou um telegrama para a Embaixada em Paris solicitando que Raul de Vincenzi fosse o mais rápido possível ao Quai d’Orsay esclarecer os motivos da intervenção militar e falar sobre a política externa do novo regime. No dia anterior, o recém nomeado ministro havia difundido um boletim para as representações do Brasil no exterior, no qual explicava as novas diretrizes da política externa nacional. A declaração, ao assegurar a permanência das alianças internacionais do Brasil, teve o efeito de garantir a transição pacífica para o novo regime, buscando evitar a perda de confiança e os efeitos negativos do golpe sobre as relações externas brasileiras. No telegrama mencionado, Leitão da Cunha solicitava a Raul de Vincenzi que traduzisse o boletim que ele próprio havia redigido e o entregasse em sua visita ao Quai d’Orsay. O objetivo era evitar que o governo francês adotasse a mesma perspectiva que a imprensa daquele país vinha difundindo sobre a “revolução”. Leitão da Cunha reforçava “a estranheza que nos causam essas interpretações da imprensa francesa que se afastam da realidade, dando à opinião pública uma visão distorcida dos fatos”.[24]

No dia 9 de abril, o ministro concedeu uma entrevista coletiva sobre a política externa a ser adotada a partir daquele momento e aproveitou para reclamar da compreensão, segundo ele, equivocada da imprensa internacional, sobretudo a francesa, a respeito do que estava acontecendo no Brasil (CUNHA, 1994). Ele afirmava que o Brasil manteria a normalidade de suas relações internacionais, sem restrições ideológicas, porém, admitia poder haver um esfriamento do intercâmbio brasileiro com países socialistas. Leitão da Cunha foi o primeiro ministro a tomar posse e, inicialmente, acumulou a pasta das Relações Exteriores com a da Saúde. Foi nomeado no dia 6 de abril, ainda pelo presidente interino Ranieri Mazzilli, já que Castelo Branco, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional no dia 11 daquele mês, assumiria o cargo apenas no dia 15. A relevância internacional de Leitão da Cunha foi muito importante para a consolidação do regime no âmbito externo. Logo após a eleição, o general de Gaulle enviou um telegrama ao novo presidente, o que foi tido como o reconhecimento oficial da França sobre o novo governo.[25] Portanto, ao contrário dos EUA, que foi primeiro país a reconhecer o regime, a França, inicialmente desconfiada, só o fez depois que Castelo Branco foi escolhido presidente.

Alguns dias mais tarde, Raul de Vincenzi informou à Secretaria de Estado que havia solicitado uma audiência com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Couve de Murville, mas que, na sua ausência, foi atendido pelo ministro das Reformas, Louis Joxe, o qual assumira interinamente a direção do Quai d’Orsay. Nessa reunião, o representante brasileiro entregou a tradução do documento ao ministro, conforme Leitão da Cunha solicitara, comentando sobre a preocupação brasileira quanto ao governo francês adotar o mesmo posicionamento crítico da imprensa daquele país com relação à intervenção militar no Brasil. Louis Joxe, conforme o relato de Vincenzi, deixou claro que a França não se aproximava das “conclusões primárias” difundidas pelos jornais, pois essas eram incompatíveis com as informações recebidas diretamente da Embaixada francesa no Rio. Ressaltou, portanto, que era imprescindível não confundir a opinião da imprensa com a do governo, assim como, segundo ele, a França havia feito “impropriamente” na crise da lagosta. Finalizou, contudo, afirmando que, embora não pudesse influir no posicionamento da imprensa, que “na França, como no Brasil, goza de completa liberdade”, iria recomendar ao Ministro da Informação que orientasse ao rádio e à televisão, “meios de divulgação que se encontram sob o controle do governo”, para que adotassem um tom mais moderado e equilibrado em suas interpretações.[26]

A indignação do governo brasileiro acerca das reações da imprensa francesa ante ao golpe de Estado civil-militar foi compartilhada pela imprensa de nosso país. Os três maiores jornais brasileiros na época – O Estado de S. Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil – atacaram com veemência a maneira como os principais veículos da imprensa francesa vinham criticando a maneira como se dera a queda de Goulart. Em linhas gerais, os editorais dos jornais brasileiros citados atribuíam a perspectiva francesa à ignorância de seus jornalistas sobre o que efetivamente ocorrera no Brasil.[27]

Em 10 de abril, a Embaixada comunicou à Secretaria de Estado que teria recebido com espanto um artigo publicado no semanário Candide, edição de 8 a 15 de abril, conhecido por ter suas fontes diretamente ligadas ao Elysée. O jornal divulgou que o general de Gaulle julgava necessário que o convite para visitar o Brasil fosse reiterado pelo novo governo, já que havia sido feito pessoalmente por João Goulart. O mais surpreendente, contudo, era o presidente francês, desde que tomara conhecimento das agitações sociais que ocorreram no Brasil no mês de março, ter solicitado a seus assessores que preparassem dois itinerários distintos para a sua viagem à América do Sul: um incluiria o Brasil, o outro não.[28] Efetivamente, a viagem do general de Gaulle só começou a ser organizada após o dia 31 de março[29] e, como se verá, aconteceu em outubro daquele mesmo ano conforme havia sido planejada.

Seja como for, nem todos os veículos da imprensa francesa se contrapuseram à intervenção militar no Brasil. E esse fator não passava despercebido pela Embaixada. A edição do dia 12 de abril do semanário Lettres d’Information, publicação ligada ao Centro de Estudos Superiores de Psicologia Social da França, trazia uma matéria intitulada “Recuo do comunismo no Brasil”. A perspectiva do texto destoava da maior parte dos jornais franceses naquele momento, pois a tomada do poder pelos militares era vista com otimismo. O editor Georges Sauge defendia a importância da “revolução pacífica” brasileira por ter impedido o crescimento do comunismo no país, uma ideologia, segundo ele, vazia e que nunca teria trazido nada de positivo ao mundo.[30]

Para o governo francês, mesmo que a chegada dos militares ao poder tivesse surpreendido e tenha sido vista, de início, com alguma desconfiança, a possibilidade de lidar com um regime que aparentava maior estabilidade foi bem recebida. João Goulart nunca havia sido considerado pelas autoridades francesas um interlocutor com o qual pudessem estabelecer acordos importantes. Nesse sentido, segundo o encarregado de negócios, Jean-Paul Anglès, o golpe foi um alívio para a França, ou seja, representou a promessa de ordenação de um cenário visto como extremamente caótico. Após o golpe, as relações bilaterais tiveram um considerável progresso. Tendo a França um governo mais à direita do espectro político, não há como menosprezar os aspectos ideológicos que levavam a certa incompatibilidade da diplomacia daquele país com o governo de Goulart, embora houvesse de fato uma grande dificuldade de lidar com a sua instabilidade e desorganização.[31]

De modo geral, os representantes da França no Brasil viram o golpe como uma intervenção pontual e temporária, que não havia gerado mortes, prisões e torturas em massa. Ainda assim, ao contrário do governo dos Estados Unidos, que, desde o início, ao reconhecer o novo regime, não colocou em dúvida o seu caráter constitucional, até mesmo por ter apoiado o golpe, a embaixada francesa tinha muitas dúvidas com relação à legalidade da intervenção militar.[32] Nos primeiros dias de abril de 1964, Jean-Paul Anglès relatou ao Quai d’Orsay sua preocupação com a declaração de vacância da Presidência da República pelo presidente do Congresso Nacional, Auro de Moura Andrade, estando Goulart ainda em território nacional. Falou também da sua apreensão com as ações repressivas dos recém-chegados governantes contra os seus adversários, sobretudo aqueles que haviam feito parte do poder destituído (UCHOA, 2000). Havia inclusive a preocupação de que a Agência France-Presse (AFP) pudesse continuar exercendo suas atividades com liberdade e segurança.[33] Ressaltou, portanto, o ambiente de vitória total que predominava no país e demonstrou surpresa com as “manifestações de alegria que explodiram espontaneamente”.[34] Referia-se às marchas da Família com Deus pela Liberdade.

Em um telegrama secreto enviado pelo Ministério do Exército francês ao Quai d’Orsay, logo que o nome de Castelo Branco começou a ser cogitado para assumir a Presidência, o órgão, provavelmente informado por seu adido na Embaixada francesa no Rio, recomendava que a França não demorasse a “manifestar simpatia” pelo general. Segundo o documento, Castelo Branco, por suas afinidades com a França, poderia abrir o Brasil aos planos políticos e militares franceses.[35] Seja como for, o governo francês logo reconheceu o regime que viera de ser instaurado, embora efetivamente só o tenha feito após a eleição de Castelo Branco. Posicionamento estimulado, em certa medida, pela atitude dos Estados Unidos diante do golpe. O representante norte-americano na OTAN, por exemplo, Thomas Finletter, questionado pelo diplomata francês, François Seydoux, sobre a opinião dos EUA diante da situação política brasileira, respondeu que o golpe havia sido um sucesso das forças democráticas, sublinhou que todo o procedimento de substituição de Goulart havia sido regular e que, portanto, não se tratava de um golpe de Estado militar, mas apenas a estrita aplicação das regras constitucionais que teriam garantido a continuidade do regime governamental.[36] Essa também foi a opinião emitida publicamente pelo secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, em uma coletiva de imprensa.[37] Cabe salientar que o Quai d’Orsay, por meio de sua representação em Washington, estava sempre atento às reações norte-americanas aos eventos que vinham ocorrendo no Brasil.

Os brasileiros que buscaram refúgio no exterior e a imprensa internacional foram os primeiros a denunciar as práticas arbitrárias dos militares. Em que pese as interpretações contrárias, a ditadura foi deveras muito violenta desde o seu princípio. Em um documento produzido pela Embaixada francesa, ressaltava-se o vigor da repressão em suas ações para eliminar as forças de esquerda da vida política e administrativa brasileira. Para Jean-Paul Anglès, as forças armadas brasileiras pareciam se afastar de sua tradição legalista, já que, ao buscarem combater o comunismo, acabavam colocando em risco as garantias constitucionais dos cidadãos. Anglès duvidava de que o relaxamento das ações repressivas ocorreria logo. E acreditava que a tendência seria que os militares impusessem à força as reformas que julgavam necessárias.[38] Para o diplomata, mesmo a “revolução” tendo uma aparência democrática, o respeito às normais legais deixara de ser uma preocupação para os militares. Nos dias que se seguiram ao golpe, a repressão, inicialmente, “expressão de um ódio cego e furioso” passara a ser “fria e sistemática”.[39] A edição do Ato Institucional, no dia 9 de abril, viria confirmar essa perspectiva: “a legalidade estava completamente rompida […] e o Congresso tinha a consciência de viver seus últimos instantes de vida real”.[40] Nesse contexto, algumas pessoas procuraram a representação diplomática francesa para sondar as possibilidades de asilo político,[41] como foi o caso do economista Celso Furtado, que, após o AI-1, perderia sua função de presidente da Sudene e teria os seus direitos políticos suspensos.[42] Vivia-se uma conjuntura política de exceção e a diplomacia brasileira exerceu um papel fundamental na tentativa de ocultar no âmbito externo esse aspecto constitutivo do longo regime que se iniciava.

Após o Ato Institucional, que cassou mandatos legislativos e suspendeu os direitos políticos de dezenas de cidadãos civis e militares, começou um movimento de partida de brasileiros para o exílio. Vários deles eram personalidades de renome internacional. Embora Montevidéu tenha sido o lugar que, nesse momento inicial, recebeu o maior número de indivíduos que buscavam escapar das punições arbitrárias do novo governo, Paris também foi o destino escolhido por alguns deles (Rollemberg, 1999). Desde quando os primeiros brasileiros começaram a ir para o exílio, o Itamaraty e as suas representações no exterior começaram a atuar para informar a outras instâncias governamentais sobre as atividades de seus compatriotas em outros países. Esse posicionamento do ministério foi adotado antes mesmo da criação de órgãos de informações vinculados ao Itamaraty especializados em questões externas, isto é, o Centro de Informações do Exterior (CIEX), criado em 1966, e a Divisão de Segurança e Informações do MRE (MRE), criada em 1967.

Um dos primeiros cidadãos brasileiros a ir para a França foi Josué de Castro, intelectual pernambucano reconhecido internacionalmente. Formado em medicina, especializou-se em nutrologia, mas também ensinava geografia e antropologia. Foi o fundador do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seus livros Geografia da fome, de 1946, e Geopolítica da fome, de 1951, tornaram-se clássicos no debate da questão da miséria no Brasil e no mundo. Em linhas gerais, a sua perspectiva era de que a fome é um problema social, resultado da orientação econômica dos governos, herança do subdesenvolvimento e do colonialismo, e não uma consequência natural do crescimento populacional. Ele foi um grande incentivador da organização das Ligas Camponesas. Foi eleito deputado federal por duas vezes pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) do estado de Pernambuco, mas renunciou ao segundo mandato para exercer atividades em organismos internacionais. Ao longo de sua carreira, recebeu diversas premiações e condecorações, entre as quais a de Oficial da Légion d’honneur da França (Maçano & Walter, 2000).

Como embaixador brasileiro junto à ONU, nomeado por Goulart, Josué de Castro encontrava-se em Genebra em missão oficial na Conferência do Desarmamento e na Conferência Mundial do Comércio, quando soube que havia tido os seus direitos políticos suspensos por dez anos pelo Ato Institucional, antes mesmo de ser oficialmente dispensado de sua função pública. Embora houvesse recebido convites de universidades de várias cidades do mundo para compor os seus quadros, Josué de Castro acabou optando por ir para Paris, onde havia sido convidado para dirigir o Centro Internacional para o Desenvolvimento (CID). Algum tempo mais tarde, a Seção de Segurança Nacional do MRE solicitaria à Embaixada de Paris informações detalhadas sobre a entidade, tais como, os nomes dos seus dirigentes e financiadores, o tamanho de suas instalações e os seus projetos.[43] A resposta viria alguns meses depois por meio de um ofício secreto. O CID foi criado em dezembro de 1964 com sede em Genebra e um escritório executivo em Paris. Os seus fundadores eram, entre outras personalidades, o presidente do Senegal, Léopold Senghor, um ex-ministro francês, Robert Buron, um professor do Collège de France, François Perroux, e um professor de Ciência Política da Sorbonne, Georges Balandier. Segundo a Embaixada, até o final de 1965, a instituição, fundada com o objetivo principal de promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo, não teve nenhuma atuação pública.[44]

No dia 17 de abril de 1964, a Embaixada encaminhou ao Itamaraty várias cartas recebidas de trabalhadores metalúrgicos franceses protestando contra a forma arbitrária pela qual o governo brasileiro vinha tratando os operários, os sindicalistas e, especialmente, Josué de Castro.[45] Podemos afirmar que essas foram as primeiras manifestações de cidadãos franceses contrárias à onda de punições “revolucionárias” desencadeadas pelo golpe de 1964. A chamada “operação limpeza”, defendida pelos mais radicais, tinha por objetivo reprimir os militares e os políticos “corruptos” que apoiavam Goulart, além de todos aqueles considerados “subversivos”. O primeiro Ato Institucional, posteriormente mais conhecido como AI-1, puniu, de início, cerca de 100 pessoas com a suspensão dos direitos políticos, entre as quais 40 parlamentares que tiveram seus mandatos cassados. Logo em seguida, mais de 100 militares foram transferidos para a reserva. Essa primeira vaga repressiva foi particularmente severa na região Nordeste, onde houve dezenas de denúncias de tortura a presos políticos (Gaspari 2002).[46]

No final daquele mês, a embaixada encaminhou ao Itamaraty uma matéria do jornal Le Monde, “Privado de seus direitos políticos no Brasil Josué de Castro pretende se fixar em Paris”, que visava informar o governo brasileiro da decisão de Josué de Castro.[47] Ao longo de sua permanência em Paris, a embaixada enviava todas as publicações do intelectual na imprensa para o MRE. Em outubro daquele mesmo ano, Mozart Gurgel Valente, chefe de gabinete do ministro Leitão da Cunha, informou ao Ministério da Guerra que Josué de Castro, devido aos seus bons contatos com o meio intelectual europeu, vinha recebendo vários convites para reuniões e conferências, tais como o IV Simpósio Teilhard de Chardin, na Bélgica, e o evento inaugural da Grande Conferência Católica, naquele mesmo país.[48] Ao longo de sua permanência no exílio, Josué de Castro escreveu diversos artigos para os principais jornais franceses. Dada a sua proeminência intelectual, a imprensa daquele país o consultava frequentemente sobre os temas latino-americanos. Professor da Universidade de Vincennes, ele morreu em Paris em 1973, ao 65 anos, sem nunca ter conseguido voltar ao Brasil, embora vivesse em território francês portando um passaporte brasileiro.[49]

Ao longo de nossas investigações, encontramos nos arquivos da Prefeitura de Polícia de Paris um dossiê sobre Josué de Castro, iniciado em 1958, quando ele era professor universitário no Rio de Janeiro e presidente da Associação Mundial de Luta contra a Fome, da qual era um dos fundadores, e tendo já ocupado a Presidência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O primeiro documento do dossiê fala de suas frequentes viagens a Paris, onde habitualmente se hospedava no Hotel de Stockholm, no 8o arrondissement da cidade, e matinha contatos frequentes com o célebre sacerdote católico Abbé Pierre.[50]

Observa-se que, após 1964, quando Josué de Castro instalou-se definitivamente em Paris, todos os seus principais movimentos foram registrados no citado dossiê. É possível mesmo notar que algumas informações transmitidas pela Embaixada brasileira em Paris para o Itamaraty, como no caso mencionado anteriormente, podem ter sido produzidas pela polícia francesa. Um documento do dossiê produzido em agosto de 1965 trata detalhadamente do CID, do qual ele era presidente.[51] São exatamente as mesmas informações que foram enviadas, dois meses mais tarde, pela Embaixada ao Itamaraty em ofício secreto, conforme vimos acima.

Nos anos seguintes, até sua morte, em 1973, há vários outros momentos em que as atividades de Josué de Castro foram anotadas no dossiê produzido pela polícia francesa. Como, por exemplo, quando foi convidado por lord Bertrand Russell, filósofo inglês e ganhador do prêmio Nobel da Paz, para compor o tribunal internacional concebido por ele para se pronunciar contra os crimes de guerra cometidos pelos EUA no Vietnam.[52] Ou, ainda, quando foram registrados dados detalhados sobre o funcionamento da Associação Mundial de Luta contra a Fome e informações pessoais de seus membros, entre os quais o seu presidente, Josué de Castro, “bem conhecido por suas convicções pacifistas e mundialistas, [além de] militar há muito tempo para fazer triunfar suas ideais”.[53] Em outro momento, acrescentam: “sua vida privada não dá lugar a nenhuma crítica”.[54] Às vésperas do dia do trabalhador em 1971, a presença de Josué de Castro, ao lado de outros exilados brasileiros, era dada como certa no tradicional desfile comemorativo daquela data. No entanto, a participação dos brasileiros no evento era considerada pouco expressiva e, portanto, não devia ser contida.[55] A última menção sobre Josué de Castro em seu dossiê ocorreu poucos meses antes de seu falecimento, quando, em um relatório sobre a Associação Médica Internacional para o Estudo das Condições da Vida e da Saúde, da qual era presidente, foi feita a seguinte observação:

Ainda que suas opiniões permitam classificá-lo entre as personalidades internacionais de esquerda, o senhor Castro jamais se fez destacar de forma particular por sua atividade política em nosso país, notadamente ao longo de suas funções de professor da Universidade de Paris.[56]

Logo depois do golpe, Samuel Wainer, diretor do jornal Última Hora, após refugiar-se, inicialmente, na Embaixada do Chile no Rio, também foi para Paris, onde permaneceu por quatro anos. Wainer fundara o Última Hora no início da década de 1950 com amplo apoio de Getúlio Vargas. Nos anos 1960, após a renúncia de Jânio Quadros, o jornal defendeu a posse de Goulart, bem como esteve ao seu lado durante todo o seu mandato. Wainer foi um dos atingidos pela AI-1, tendo os seus direitos políticos suspensos pelo dispositivo.[57] Com relação a ele, as instruções do MRE para a embaixada eram muito claras: a representação brasileira em Paris não poderia oferecer qualquer proteção diplomática a Wainer enquanto ele permanecesse como “asilado territorial” no exterior.[58] Após instalar-se na capital francesa, o jornalista solicitou ao governo daquele país autorização para atuar como correspondente do Última hora em Paris, cargo até então ocupado por Edouard Bailby.[59]

A representação diplomática na França ajudou o governo brasileiro a manter o jornalista sob vigilância. Em agosto de 1964, por exemplo, o MRE foi informado de que Samuel Wainer iria oferecer um jantar para Claude Julien, jornalista de Le Monde responsável por matérias bastante críticas ao governo de Castelo Branco, evento que contaria com a presença do deputado cassado Luiz Bocayuva Cunha, que também passou a viver em Paris após o golpe de Estado.[60] Alguns dos textos de Claude Julien eram publicados no Última Hora antes mesmo de saírem em Le Monde e isso gerava grande desconfiança por parte do governo brasileiro com relação à proximidade entre os dois jornalistas.[61] Em sua autobiografia, Wainer revela que havia feito um contrato com a direção de Le Monde que lhe dava o direito de reproduzir as matérias do jornal no Última Hora. Esse acordo teria durado apenas alguns meses, quando, por não conseguir sustentar o alto custo que representava, resolveu transferir a prerrogativa para a Folha de São Paulo (WAINER, 1988).

Em 11 de julho de 1967, a Secretaria de Estado expediu autorização ao Consulado Geral em Paris para que emitisse em nome de Samuel Wainer um passaporte comum válido para todos os países da Europa Ocidental e Estados Unidos. A justificativa para tal decisão, após “atenta reflexão”, baseava-se no compromisso assumido por Wainer a respeito da linha política que pretendia conferir ao jornal Última Hora, isto é,

uma oposição honesta e construtiva, oposta à subversão e aos extremismos, confiante na evolução final das bases revolucionárias lançadas em abril de 1964, respeitadora e capaz de reconhecer quando necessário o esforço que vem sendo empreendido pelos diversos setores nacionais e governamentais para solução dos problemas brasileiros, sem compromisso com grupos pequenos ou grandes aos quais possa vir a aliar-se, desligado das realidades e do verdadeiro destino do país, somente para participar da conquista eventual de uma parcela do poder. Estas observações a serem transmitidas ao senhor Wainer visam desfazer qualquer equívoco de parte a parte e significam também os bons propósitos que inspiram as autoridades brasileiras ao tomarem a decisão de aceitar o diálogo com o senhor Wainer”.[62]

Ao tomar conhecimento de tal decisão, segundo o embaixador Bilac Pinto, Wainer teria afirmado que a orientação política do jornal cabia ao seu presidente, ou seja, o jornalista Danton Jobim. De todo modo, afirmou que, embora com atuação bastante limitada, por encontrar-se exilado em Paris, eram de sua autoria os slogans que sintetizavam as diretrizes do periódico nos três anos anteriores: “oposição sem subversão” e “oposição para reconstrução”.[63]

Seja como for, a pedido do Itamaraty, Samuel Wainer continuou a ser vigiado pela Embaixada. Em telegrama secreto enviado a Paris, a Secretaria de Estado solicitou que “comportamento, atitudes, declarações ou iniciativas políticas do jornalista suscetíveis de censura” fossem observados e informados ao ministério.[64] Portanto, Bilac Pinto, ao fazer as apurações demandadas por meio “fonte fidedigna”, advertia que era necessário diferenciar as iniciativas políticas ostensivas e não ostensivas de Wainer, dado que, de modo geral, a Embaixada tinha dificuldades para averiguar as atividades políticas não ostensivas dos exilados residentes em Paris. Em se tratando de seus comportamentos públicos, concluía: “o jornalista, durante sua permanência em Paris, não tomou ostensivamente atitudes ou iniciativas, nem fez declarações políticas censuráveis”.[65]

Assim como Josué de Castro, Samuel Wainer também possui um dossiê nos arquivos da Prefeitura de Polícia de Paris. Cabe lembrar que esse órgão, ligado ao Ministério do Interior, é o responsável por conceder a autorização de residência para os estrangeiros que desejam viver naquele país. No entanto, tudo indica que no caso de determinadas pessoas, sobretudo aquelas com algum tipo de atividade política no país de origem, como era o caso de Wainer, era feita uma análise mais apurada de sua trajetória. O seu dossiê é bastante sintético. Afora o relato de dados biográficos detalhados, principalmente ligados à sua atuação no Última Hora e à sua proximidade com Goulart e com JK, chama atenção a ênfase dada à sua participação em movimentos comunistas na juventude e a uma longa viagem que teria feito à URSS e, também, à China, onde fora recebido por Mao Tsé-Tung.[66]

Não é de se estranhar que o Itamaraty tenha sido investido da função de zelar pela imagem externa do Brasil, o que é um papel comum dos serviços diplomáticos de todos os países sob qualquer regime político. Naquele contexto, as especificidades do órgão estavam relacionadas à sua atuação para impedir a divulgação, por qualquer meio que fosse, de notícias sobre as práticas repressivas do regime militar brasileiro e, também, ao seu esforço para propagar uma imagem positiva do país no exterior. O serviço diplomático desenvolvia programas de difusão da cultura brasileira, patrocinava viagens de jornalistas franceses ao Brasil em troca de matérias elogiosas ao país, tentava intervir no tom crítico adotado pela imprensa francesa sobre a situação política do Brasil, esforçava-se para estabelecer acordos de cooperação técnica e econômica com o governo daquele país, buscava monitorar e, quando possível, cercear as atividades políticas contestatórias de brasileiros em território francês, entre outras estratégias. A finalidade última era não apenas divulgar uma imagem favorável do Brasil, reafirmando constantemente que o país vivia sob as regras de um regime democrático, mas controlar a forma como deveríamos ser vistos por aquele Estado e pela opinião pública francesa.

A preocupação com a imagem externa do Brasil sempre foi muito comum entre determinados setores das elites brasileiras ao longo da história e a veiculação de notícias negativas do país no exterior costuma provocar certa mobilização dos ânimos nacionalistas da população. No período da ditadura militar, a repercussão das arbitrariedades cometidas pela polícia política contra os chamados “subversivos” causava grande constrangimento aos governantes, que se empenhavam constantemente para “corrigir” essa imagem considerada “deformada” do país. Chegou-se a aventar a criação de um órgão de propaganda oficial com orçamento próprio e ligado à pasta das Relações Exteriores, o que acabou nunca se concretizando (Fico, 1997). No entanto, é possível afirmar que, com o decorrer dos anos, o Itamaraty consolidou-se como uma agência estatal de relações públicas em âmbito internacional, papel que era desempenhado internamente pela Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), entre 1968 e 1973, e, em seguida, pela Assessoria de Relações Públicas (ARP), entre 1973 e 1978, órgãos de propaganda vinculados à Presidência da República. Houve inclusive momentos em que esses órgãos atuaram em conjunto com o MRE. Nesse sentido, o setor cultural da Embaixada estava diretamente envolvido na divulgação de aspectos positivos do Brasil na França. A oferta de viagens a jornalistas para virem ao Brasil em troca da publicação de reportagens favoráveis ao país, a divulgação da música brasileira em rádios francesas, o patrocínio de shows de artistas nacionais, o ensino da língua portuguesa em universidades, o financiamento da tradução de obras da literatura brasileira e a distribuição de material turístico eram algumas das iniciativas utilizadas para promover a imagem do Brasil na França. No entanto, apesar de todo esse empenho, que pode ser interpretado como uma das maneiras de construir a legitimidade do Estado brasileiro no exterior naquele período, as possibilidades de ingerência na percepção que se tinha do Brasil lá fora sempre foram muito limitadas.

Considerações finais

De um ponto de vista realista das relações internacionais, a política externa de um Estado possui grande autonomia com relação às questões internas do país. Como vimos, há autores que defendem que em regimes autoritários essa autonomia é ainda mais pronunciada e tende a funcionar como um instrumento de conquista de legitimidade tanto interna quanto externa. Sabe-se que, mesmo em governos ditatoriais, a obtenção de consentimento é primordial para a manutenção do regime político (Rollemberg & Quadrat, 2010).

O golpe militar de 1964 não prejudicou as relações políticas franco-brasileiras. Contrariamente, a chegada de um novo grupo ao poder foi vista pelas autoridades francesas como um sinal de maior estabilidade na política brasileira. Para eles, tudo parecia apontar para uma melhoria das relações bilaterais. Embora a intervenção militar tenha sido vista, de início, com alguma desconfiança, logo após a eleição de Castelo Branco, o novo regime, que aparentemente teria uma curta duração, foi reconhecido pelo governo francês. Da mesma forma, para o governo brasileiro, que tradicionalmente via a França como um exemplo de democracia consolidada, era fundamental ter a sua legitimidade reconhecida por aquele país. Mesmo que as relações econômicas e comerciais franco-brasileiras não representassem uma área prioritária para nenhum dos dois países, os modelos culturais franceses sempre foram cruciais para a formação das elites nacionais. Houve um empenho constante por parte das autoridades brasileiras para que as relações com aquele país não fossem afetadas pela conjuntura interna. Nesse sentido, a visita do presidente Charles de Gaulle ao Brasil, no segundo semestre de 1964, simbolizou o ápice da retomada dos vínculos entre os dois países.

Ao longo do mandato de Castelo Branco, as denúncias das arbitrariedades cometidas pelo governo brasileiro começaram a ser difundidas no exterior. Os principais agentes responsáveis por essa divulgação foram os exilados brasileiros e a imprensa internacional. Embora Paris não tenha recebido um grande número de brasileiros nesse primeiro momento, o que só viria a ocorrer após o golpe do Chile em 1973, algumas figuras importantes ligadas ao governo destituído pelos militares passaram a viver naquela cidade. A presença de Josué de Castro, Samuel Wainer, Celso Furtado e Violeta Arraes, por exemplo, contribuiu enormemente para que o contexto interno do Brasil fosse conhecido na França. Além disso, aquele país sedia importantes veículos da imprensa internacional cujo peso das denúncias era bastante prejudicial para a imagem externa do Brasil. Aos poucos, a opinião pública francesa começou a se unir aos brasileiros que ali viviam, mobilizando-se contra as violações aos direitos fundamentais da pessoa humana cometidas pelos militares. Assim, ao contrário do que alguns autores defendem, a imprensa francesa não se caracterizou pela discrição nos primeiros anos do regime militar (Garot, 1994). Os principais jornais franceses, sobretudo Le Monde, deram grande abertura para a publicação de críticas contra o Brasil. Não demorou para que a França passasse a ser vista pelas autoridades brasileiras como um centro privilegiado de contestação do regime.

Nesse sentido, o Itamaraty, por meio de sua representação diplomática em Paris, exerceu um papel fundamental no que concerne à preservação da imagem brasileira. Naquele contexto, os diplomatas brasileiros estiveram empenhados em impedir a divulgação de notícias sobre as práticas repressivas do regime militar e, ao mesmo tempo, esforçavam-se continuamente para propagar um quadro positivo do governo brasileiro, que não deveria, em hipótese alguma, ser identificado como um regime autoritário. A busca por se criar mecanismos de controle da imagem que se tinha do Brasil na França começaram a ser feitas logo nos momentos seguintes ao golpe. A diplomacia brasileira tornou corrente a tentativa de censurar a imprensa francesa ao enviar cartas aos diretores das publicações e tentar interceder junto ao governo daquele país para que a ajudassem a conter o tom das críticas divulgadas. Além disso, como foi possível observar, o serviço diplomático brasileiro atuou para monitorar os brasileiros que viviam em território francês, buscando impedir, muitas vezes com sucesso, que esses indivíduos expusessem a perseguição a que os opositores do regime eram submetidos. Deste modo, torna-se fundamental compreender como atores institucionais agiram e reagiram face à oposição ao regime na França.

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Wainer, S. (1988). Minha razão de viver: Memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record.

Notas

[1] “Exposição ao embaixador Antônio Mendes Viana”. 16/6/1964. Ofício n. 363. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Secreto, Aeof/Deoc/363/920. (42)(85), Anexo.

[2] “Comício de 13 de março. Remessa de recortes”. 19/3/1964. Ofício n. 152. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivo, DEOc/DI/152/500.

[3] “Reforma agrária. Remessa de recortes”. 19/3/1964. Ofício n. 154. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivo, DIM/DI/154/500.

[4] “Virage à gauche au Brésil”. “Situação política brasileira. Remessa de artigo.”. 20/3/1964. Ofício n. 162. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivo, DEOc/162/500.

[5] “La bataille que mènent certains leaders conservateurs contre la transformation des structures brésiliennes semble perdue d’avance”. Id.

[6] “C’était plutôt que l’on ne considérait pas que Goulart représentait vraiment quelque chose de très durable au Brésil”. Entrevista de Jean-Paul Anglès à Luciana Uchoa, 11 de abril de 2000.

[7] “Cette grave carence du pouvoir s’explique en partie par la personne même du chef de l’Etat: d’un niveau de culture médiocre […] et sans grand sens de l’intérêt général, le président Goulart n’est qu’un politicien brésilien extrêmement habile, ce n’est pas un homme d’Etat. Les aspects négatifs de sa personnalité ont cependant pour contrepartie une certaine forme d’orgueil qui le rend sincèrement désireux de marquer son passage à la Présidence par quelques grandes réalisations. […] Malheureusement, João Goulart est impatient, son mandat lui paraît court et il veut des résultats rapides”. “M. João Goulart”. 16/1/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Telegrama enviado ao Gabinete do Ministro, n. 20/31, Caixa 126.

[8] “Situation politique intérieure. La manifestation du 13 mars, tournant décisif de la présidence Goulart”. 18/3/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 347/AM, Caixa 126.

[9] “Manifestations à São Paulo”. 24/3/1964. AMAE, Consulat Général de France à São Paulo, Nota enviada à Direction d’Amérique, 88/AM, Caixa 126.

[10] “Dans tous le pays quel qu’il soit qu’il y a de choses que les uns font qui sont bien ou pas, quelle que soit leur appartenance politique”. Entrevista de Jean-Paul Anglès à Luciana Uchoa, 11 de abril de 2000.

[11] “Un an de gouvernement Arraes”. 2/3/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 258/AM, Caixa 126.

[12] “L’état de l’opinion”. 23/3/1964. AMAE, Consulat Général de France à São Paulo, Nota enviada à Direction d’Amérique, 87/AM, Caixa 126.

[13] “Cópia de notas”. 12/1/1965. Ofício n. 30. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, DEOc/30/342.2(85).

[14] “Situation politique intérieure: l’Armée et la reforme agraire”. 31/1/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 109/AM, Caixa 126.

[15] “Agitation dans le Minas Gerais”. 10/3/1964. AMAE, Service de documentation extérieure et de contre-espionnage ( (SDECE), Nota enviada ao primeiro-ministro, Secreto, n. D 31132/B, Caixa 164.

[16] “Le mouvement des sergents”. 28/1/1964. AMAE, Service de documentation extérieure et de contre-espionnage (SDECE), Nota enviada ao primeiro-ministro, Secreto, n. D 29962/B, Caixa 164.

[17] “Situation politique”. 26/3/1964. AMAE, Service de documentation extérieure et de contre-espionnage (SDECE), Nota enviada ao primeiro-ministro, Secreto, n. D 31553/B, Caixa 164.

[18] “Discours de M. Goulart (30 mars 1964)”. 30/3/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 439/AM, Caixa 126.

[19] “Agravation de la situation économique”. 25/2/1964. AMAE, Service de documentation extérieure et de contre-espionnage (SDECE), Nota enviada ao primeiro-ministro, Secreto, n. D 30706/B, Caixa 164.

[20] O Setor Político da Embaixada era responsável por selecionar os recortes das matérias sobre o Brasil na imprensa francesa. Cf. 28/4/1964. Ofício n. 243. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos.

[21] “La légalité d’hier prend la forme d’une vaste et ténébreuse conspiration communiste, cependant que la rébellion apparaît comme l’éclatante manifestation du patriotisme et de la légitimité.” Le Monde, 4/4/1964. Cf. “Remessa de recortes”. 7/4/1964. Ofício n. 187. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, Deoc/DD/187/500.591.7(85), anexo.

[22] “Eleição presidencial”. 8/4/1964. Carta-telegrama n. 93. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Cartas-telegrama recebidas, Ostensivos, Deoc/DI/93/500.

[23] “Remessa de recortes”. 7/4/1964. Ofício n. 187. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, Deoc/DD/187/500.591.7(85).

[24] “Situação política no Brasil. Comentários na imprensa francesa”. 8/4/1964. Telegrama n. 98. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas expedidos, Ostensivos, Deoc/DI/500.591.7(85).

[25] “Situação política no Brasil. Missão do governador Carlos Lacerda”. 18/5/1964. Telegrama n. 129. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas expedidos, Secreto, G/Deoc/430.1(42)(600).

[26] “Situação política no Brasil. Comentários da imprensa francesa”. 12/4/1964. Telegrama n. 85. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas recebidos, Confidenciais, Deoc/DI/500.

[27] “Réaction de la presse brésilienne aux commentaires de la presse française”. 7/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviado à Direction d’Amérique, 470/AM, Caixa 127.

[28] “Visita do General de Gaulle ao Brasil”. 10/4/1964. Ofício n. 202. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, C/202/430(85)(42).

[29] Entrevista de Jean-Paul Anglès à Luciana Uchoa, 11 de abril de 2000.

[30] “Situação nacional. Remessa de publicação”. 20/4/1964. Ofício n. 224. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, Deoc/224/500.

[31] Entrevista de Jean-Paul Anglès à Luciana Uchoa, 11 de abril de 2000.

[32] 1/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Telegrama enviado à Direction d’Amérique, 305/AM, Caixa 127.

[33] 6/4/1964. AMAE, Ministère des Affaires Etrangères, Telegrama enviado à Ambassade de France au Brésil, 180, Caixa 127.

[34] 2/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Telegrama enviado à Direction d’Amérique, 322/AM, Caixa 127.

[35] 6/4/1964. AMAE, Ministère des Armées, Telegrama enviado ao Ministère des Affaires Etrangères, 176, Caixa 127.

[36] 3/4/1964. AMAE, Organização do Tratado do Atlântico Norte, Telegrama enviado ao Ministère des Affaires Etrangères, 128, Caixa 127.

[37] 3/4/1964. AMAE, Ambassade de France aux Etats-Unis, Telegrama enviado à Direction d’Amérique, 2539, Caixa 127. Sobre o apoio norte-americano ao golpe de 1964, ver FICO, Carlos. O grande irmão. O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

[38] 9/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Telegrama enviado à Direction d’Amérique, 398, Caixa 127.

[39] “Acte institutionnel du 9 avril 1964”. 10/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 486/AM, caixa 127.

[40] “La legalité est complètement rompue […] le Congrès a conscience de vivre ses derniers instants de vie réelle. “La répression révolutionnaire au Brésil – 1er au 10 avril 1964”. 10/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 487/AM, caixa 127.

[41] “La chute de Goulart”. 7/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 172/AM, caixa 127.

[42] 10/4/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Telegrama enviado à Direction d’Amérique, 412, caixa 127.

[43] “Centro Internacional para o Desenvolvimento”. 16/7/1965. Telegrama n. 473. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas expedidos, Secreto, SSN/Deoc/Doa/650.(00).

[44] “Informações sobre o Centro Internacional para o Desenvolvimento”. 8/10/1965. Ofício n. 916. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Secreto, Aeaf/Deoc/Dpf/916/650.(00).

[45] “Situação política. Remessa de cartas”. 17/4/1964. Ofício n. 216. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, Deoc/216/500.

[46] pp. 129-136.

[47] “Remessa de recortes”. 24/4/1964. Ofício n. 231. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Ofícios recebidos, Ostensivos, Deoc/DI/251/500. Jornal Le Monde 24 de abril de 1964 “Privé de ses droits politiques au Brésil M. Josué de Castro compte se fixer à Paris”.

[48] “Atividades de asilados na Europa”. 5/11/1964. Ofício n. 124. AHMRE, Secretária de Estado das Relações Exteriores, Ofícios expedidos, Secreto, G/SSN/124/922.31.(44)(42).

[49] “Prorrogação de passaporte. Josué de Castro”. 16/5/1969. Telegrama n. 64. AHMRE, Consulado-Geral em Paris, Telegramas recebidos, Confidencial, DPp/DAJ/DJ/511.14(701).

[50] “Josué de Castro”. 7/1/1958. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[51] “Centre International pour le Developpement”. 8/1965. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[52] “Lord Bertrand Russell”. 30/9/1966. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[53] “Bien connu pour ses convictions pacifistes et mondialistes, […] milite depuis longtemps pour faire triompher ses idées”. “Association Mondiale de Lutte contre la Faim”. 10/1/1967. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[54] “Sa vie privée ne donne lieu à aucune critique”. “Josué de Castro”. 26/6/1970. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[55] “Participation brésilienne au défilé du 1er mai”. 28/4/1971. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[56] “Bien que ses opinions permettent de le classer parmi les personnalités internationales de gauche, M. de Castro ne s’est jamais fait remarquer de façon particulière pour son activité politique dans notre pays, notamment au cours de l’exercice de ses fonctions de professeur de l’Université de Paris”. “Association Médicale Internationale pour l’Etude des Conditions de la Vie et de la Santé”. 2/1973. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W5005-641029.

[57] WAINER, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 1988.

[58] “Concessão de facilidades ao senhor Samuel Wainer. Correspondente em Paris”. 3/8/1964. Telegrama n. 281. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas expedidos, Ostensivo, DAJ/DJ/DI/281.501.34(85).

[59] “Accréditation de M. Samuel Wainer”. 26/6/1964. AMAE, Ambassade de France au Brésil, Nota enviada à Direction d’Amérique, 904/AM, Caixa 153.

[60] “Situação brasileira. Artigo Le Monde”. 21/8/1964. Telegrama n. 270. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegramas recebidos, Secreto, DJ/Deoc/DI/SSN/500.

[61] “Artigo Claude Julien. França-Brasil”. 1/9/1964. Carta-telegrama n. 241. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Cartas-telegramas recebidas, Secreto, DJ/Deoc/DI/SSN/500.

[62] “Concessão de passaporte comum ao senhor Samuel Wainer”. 11/7/1967. Telegrama n. 434. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegrama expedido, Secreto, G/DSI/DCI/511.14(701).

[63] “Concessão de passaporte comum ao senhor Samuel Wainer”. 17/7/1967. Telegrama n. 352. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegrama recebido, Secreto, G/DSI/DCI/511.14(701).

[64] “Comportamento político do cassado Samuel Wainer”. 7/8/1967. Telegrama n. 481. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegrama expedido, Secreto, G/DSI/591.3(85).

[65] “Comportamento político do cassado Samuel Wainer”. 30/8/1967. Telegrama n. 414. AHMRE, Embaixada do Brasil em Paris, Telegrama recebido, Secreto, G/DSI/591.3(85).

[66] “Samuel Wainer”. APP, Préfecture de Police, Réf. 77W3955-399351.

Para citar este artículo: Gomes, P. (2016). A França e o golpe civil-militar de 1964 no Brasil: ditadura, repressão e exílio, Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales, número especial Vol. 1, pp. 108 – 128. Recuperado en https://iberoamericasocial.com/franca-e-golpe-civil-militar-1964-no-brasil-ditadura-repressao-e-exilio/

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