DescargarSe a função da Arte é interferir no quotidiano, revelar aspectos que fogem ao primeiro olhar da lógica, apontar atalhos na reta estrada da realidade, instaurar caminhos tangenciais no domínio das certezas, as três plataformas artísticas nas quais desenvolvo meus ofícios (cinema, literatura e teatro, principalmente o primeiro) se inscrevem também nessa dinâmica, nesse fazer conjunto profissional e militante, embora prefira utilizar a definição, no caso do cinema em que me insiro, da intervenção política.

Talvez o fato de ter minhas raízes nos alicerces da construção artística pertencente ao universo (deformado pelo capitalismo) burguês do que se entende como mundo da cultura, no seu sentido lato de mercadoria, possa ter me oferecido ferramentas consistentes para, ao ingressar nas mobilizações sociais, utilizá-las em benefício da criação de materiais políticos. Ao não abandonar de todo o meu natural pertencimento familiar (filho de artistas) a “Cultura” com maiúsculas, não me vi obrigado a produzir obras de caráter panfletário, no pior sentido do termo, como aquele que apenas serve a uma única proposta monolítica, sem bifurcações, nuances e possibilidades de transformações programáticas no horizonte. Tanto é que neste longo percurso de aliar a Arte e a Política nunca deixei de construir obras que dizem respeito a personagens da Cultura e da História, em especial da literatura, do teatro e da plástica. Intuo isto como um perigoso desafio de transitar uma zona fronteiriça onde as margens se constituem no sentido do roteiro e a própria bússola da viagem, acrescentando sempre novos domínios de conhecimento a temas por si só complexos e irresolúveis no curto prazo. Cito como exemplo os trabalhos audiovisuais desenvolvidos na área educativa, onde os planos culturais e políticos – a própria formação dos corpos docente e discente – são indissociáveis.

Unir a palavra, ou a imagem, à ação nunca foi tarefa fácil e nisso estamos imbuídos. Ter como norte – ou sul, para quem é deste hemisfério – a transformação social, também é campo de batalha da subjetividade das artes, onde o fugaz, o transitório período que nos toca permanecer sobre a face da terra, precisa ser ocupado com atitudes firmes de enfrentamento à destruição do ser humano, premissa fundamental dos lucros do capital. E nossas armas são apenas aquelas de que dispomos como artistas, armas facilmente cooptáveis pelo sistema, e perante o qual temos o dever de aprimorar nossa sensibilidade social para não sucumbir ao discurso oficial da naturalidade imanente das desigualdades.

A liberdade da criação também exprime responsabilidades, e, inclusive, contraditórias, no ofício do criador. Nesse espinhoso campo de batalha político social até a coerência pode sofrer instabilidades, fruto da complexidade do fazer humano. O próprio Glauber Rocha, ícone de um cinema emancipador latino-americano dos anos 60, dizia: “Não me exijam coerência, sou um artista!”. Portanto, é imprescindível que essas liberdades, ao divisar o amplo campo de possibilidades de inserção de temas sociais, os mais diversos, tragam luz – e porque não, novas dúvidas –  à continuidade sempre inconclusa da construção política – para além da política institucional – de novas possibilidades de organização social.

Tudo dito acima reflete a minha postura, a minha trincheira, o sentido que esgrimo ao proclamar a arte como território de resistência. E esse território, em termos geográficos, no meu caso, é a América LatinaCenário que se descortinou na minha frente nas minhas primeiras viagens, nos idos dos anos 80, por todo o continente, quando munido de uma mochila aventureira me lancei a conhecer meu território cultural durante quase uma década, convivendo com diversos povos e culturas. Numa segunda fase, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, já munido de equipamento específico, e acompanhando o novo despertar das rebeliões populares no continente, consegui retratar em diversas ocasiões, novos modelos de construção política de índole diversificada, pipocando ao longo da nossa terra, Abya Yala.

E para encerrar estas mínimas palavras sobre um tema tão vasto, trago à memória um pequeno texto explosivo do poeta guerrilheiro salvadorenho Roque Dalton (1935 – 1975), que, de forma extraordinária, impulsiona o tema até o seu ápice, e que podemos aplicar a todos os campos da resistência na Arte.

 

Para qué debe servir
La poesia revolucionária?
Para hacer poetas
O para hacer la revolución?

 

 

Carlos Pronzato
Cineasta documentarista, poeta, escritor, ativista social.
carlospronzato@gmail.com

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